Explicaê

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NEGÓCIO DE MENINO COM MENINA

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O menino de uns dez anos, pés no chão, vinha andando pela estrada de terra da fazenda com a gaiola na mão. Sol forte de uma hora da tarde. A menina, de uns nove anos, ia de carro com o pai, novo dono da fazenda. Gente de São Paulo. Ela viu o passarinho na gaiola e pediu ao pai:

          — Olha que lindo! Compra pra mim?

          O homem parou o carro e chamou:

          — Ô menino.

          O menino voltou, chegou perto, carinha boa. Parou do lado da janela da menina. O homem:

          — Esse passarinho é pra vender?

          — Não, senhor.

          O pai olhou para a filha com uma cara de deixa pra lá. A filha pediu suave como se o pai tudo pudesse:

          — Fala pra ele vender.

          O pai, mais para atendê-la, apenas intermediário:

          — Quanto você quer pelo passarinho?

          — Não tou vendendo, não, senhor.

          A menina ficou decepcionada e segredou:

          — Ah, pai, compra.

          Ela não considerava, ou não aprendera ainda, que negócio só se faz quando existe um vendedor e um comprador. No caso, faltava o vendedor. Mas o pai era um homem de negócios, águia da Bolsa de Valores, acostumado a encorajar os mais hesitantes ou a virar a cabeça dos mais recalcitrantes:

          — Dou dez mil.

          — Não, senhor.

          — Vinte mil.

          — Vendo não.

          O homem meteu a mão no bolso, tirou o dinheiro, mostrou três notas, irritado.

          — Trinta mil.

          — Não tou vendendo, não, senhor.

          O homem resmungou “que menino chato” e falou pra filha:

          — Ele não quer vender. Paciência.

          A filha, baixinho, indiferente às impossibilidades da transação:

          — Mas eu queria. Olha que bonitinho.

          O homem olhou a menina, a gaiola, a roupa encardida do menino, com um rasgo na manga, o rosto vermelho de sol.

        — Deixa comigo.

        Levantou-se, deu a volta, foi até lá. A menina procurava intimidade com o passarinho, dedinho nas grades da gaiola. O homem, maneiro, estudando o adversário:

        — Qual é o nome do passarinho?

        — Ainda não botei nome nele, não. Peguei ele agora.

        O homem quase impaciente:

        — Não perguntei se ele é batizado não, menino. É pintassilgo, é sabiá, é o quê?

        — Aaaah. É bico-de-lacre.

        A menina, pela primeira vez, falou com o menino:

        — Ele vai crescer?

        O menino parou os olhos pretos nos olhos azuis.

        — Cresce nada. Ele é assim mesmo, pequenininho.

        O homem:

        — E canta?

        — Canta nada. Sá faz chiar assim.

        — Passarinho besta, hein?

        É não presta pra nada, é só bonito.

        — Você pegou ele dentro da fazenda?

        — É. Aí no mato.

        — Essa fazenda é minha. Tudo que tem nela é meu.

        O menino segurou com mais força a alça da gaiola, ajudou com a outra mão nas grades. O homem achou que estava na hora e falou já botando a mão na gaiola, dinheiro na mão.

        — Dou quarenta mil, pronto. Toma aqui.

        — Não, senhor, muito obrigado.

        O homem, meio mandão:

        — Vende isso logo, menino. Não tá vendo que é pra menina?

        — Não, não tou vendendo, não.

        —  Cinquenta mil! Toma! — e puxou a gaiola.

        Com cinquenta mil se comprava um saco de feijão, ou dois pares de sapatos, ou uma bicicleta velha.

        O menino resistiu, segurando a gaiola, voz trêmula.

        — Quero não, senhor. Tou vendendo não.

        — Não vende por quê, hein? Por quê?

        O menino acuado, tentando explicar:

        — É que eu demorei a manhã todinha pra pegar ele e tou com fome e com sede, e queria ter ele mais um pouquinho. Mostrar pra mamãe.

        O homem voltou para o carro, nervoso. Bateu a porta, culpando a filha pelo aborrecimento.

        — Viu no que dá mexer com essa gente? É tudo ignorante, filha. Vamos embora.

        O menino chegou pertinho da menina e falou baixo, para só ela ouvir:

          — Amanhã eu dou ele pra você.

        Ela sorriu e compreendeu.

 

ÂNGELO, Ivan. De conto em conto. São Paulo: Ática, 2002.

       

 

O homem era insistente, mas o menino não era bobo e usou uma estratégia para tentar fazê-lo desistir do negócio. A estratégia utilizada pelo menino foi:

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