Explicaê

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SEPARAÇÃO

 

[1] Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente

irremediável. No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta sentiu que nada poderia

evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é a história do

mundo. Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo1, como

[5] a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo

impossível entre eles.

(...)

Seus olhares fulguraram por um instante um contra o outro, depois se acariciaram ternamente

e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. Disse-lhe adeus com doçura, virou-se

e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar2 aqueles dois mundos

[10] que eram ele e ela. Mas o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira

o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, sentindo o pranto

formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.

Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao

lado, e dele separada por imperativos categóricos3 de suas vidas, não lhe dava forças para

[15] Desprender-se dela. Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que

por muitos anos buscará em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que

o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo

como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, distanciar-se dela cada vez mais, cada vez

mais. E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra

[20] forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele abençoará com os seus beijos e

agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou imaginá-la em sua dolorosa mudez, já

envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias − um ser desligado dele

pelo limite existente entre todas as coisas criadas.

De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber

para onde...

Vinícius de Morais Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1986. 

A hipérbole é uma figura empregada na crônica de Vinícius de Morais para caracterizar o estado de ânimo do personagem.


Essa figura está exemplificada em:


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