Explicaê

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O poder criativo da imperfeição

 

Já escrevi sobre como nossas teorias científicas sobre o mundo são aproximações de uma

realidade que podemos compreender apenas em parte. Nossos instrumentos de pesquisa, que

tanto ampliam nossa visão de mundo, têm necessariamente limites de precisão. Não há dúvida de

que Galileu, com seu telescópio, viu mais longe do que todos antes dele. Também não há dúvida

[5] de que hoje vemos muito mais longe do que Galileu poderia ter sonhado em 1610. E certamente,

em cem anos, nossa visão cósmica terá sido ampliada de forma imprevisível.

 

No avanço do conhecimento científico, vemos um conceito que tem um papel essencial: simetria.

Já desde os tempos de Platão, há a noção de que existe uma linguagem secreta da natureza, uma

matemática por trás da ordem que observamos.

 

[10] Platão – e, com ele, muitos matemáticos até hoje – acreditava que os conceitos matemáticos

existiam em uma espécie de dimensão paralela, acessível apenas através da razão. Nesse caso,

os teoremas da matemática (como o famoso teorema de Pitágoras) existem como verdades

absolutas, que a mente humana, ao menos as mais aptas, pode ocasionalmente descobrir. Para os

platônicos, a matemática é uma descoberta, e não uma invenção humana.

 

[15] Ao menos no que diz respeito às forças que agem nas partículas fundamentais da matéria, a busca

por uma teoria final da natureza é a encarnação moderna do sonho platônico de um código secreto

da natureza. As teorias de unificação, como são chamadas, visam justamente a isso, formular todas

as forças como manifestações de uma única, com sua simetria abrangendo as demais.

 

Culturalmente, é difícil não traçar uma linha entre as fés monoteístas e a busca por uma unidade

[20] da natureza nas ciências. Esse sonho, porém, é impossível de ser realizado.

 

Primeiro, porque nossas teorias são sempre temporárias, passíveis de ajustes e revisões futuras.

Não existe uma teoria que possamos dizer final, pois nossas explicações mudam de acordo com

o conhecimento acumulado que temos das coisas. Um século atrás, um elétron era algo muito

diferente do que é hoje. Em cem anos, será algo muito diferente outra vez. Não podemos saber

[25] se as forças que conhecemos hoje são as únicas que existem.

 

Segundo, porque nossas teorias e as simetrias que detectamos nos padrões regulares da natureza

são em geral aproximações. Não existe uma perfeição no mundo, apenas em nossas mentes. De

fato, quando analisamos com calma as “unificações” da física, vemos que são aproximações que

funcionam apenas dentro de certas condições.

 

[30] O que encontramos são assimetrias, imperfeições que surgem desde as descrições das

propriedades da matéria até as das moléculas que determinam a vida, as proteínas e os ácidos

nucleicos (RNA e DNA). Por trás da riqueza que vemos nas formas materiais, encontramos a força

criativa das imperfeições.

MARCELO GLEISER

Adaptado de Folha de São Paulo, 25/08/2013.

 

Marcelo Gleiser sustenta que a ciência descreve a realidade por meio de uma série de aproximações.

 

Desse modo, ele recusa a compreensão de que o objetivo da ciência seja estabelecer:

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