Cadernos
Crônica – Diário de um celular
Vou pedir um tempo ao meu dono. Sinto que ele fica mais tempo comigo do que com a família. Às vezes me sinto sufocado.
Agora mesmo, tarde da noite, embora já de pijama, ele não desgruda. Acho que é o tal do toque. Se continuar assim, logo terá aquela doença do LER (lesão por esforço repetitivo). Seis da manhã. Ele desperta com a mesma música. Em seguida, com mais um toque, ele me apaga de novo.
Seguimos com o café. Lá estou eu, em posição privilegiada. Me coloca na mesa, antes mesmo que a xícara e o pão. Me sinto importante. Quase um rei. [...]
Outro dia compreendi melhor qual poderá ser meu destino. Meu dono resolveu finalmente descartar uma impressora antiga, daquelas matriciais. Fomos então a um descarte de lixos eletrônicos. Que imagem triste. Quantos celulares desconectados do mundo. Quanta sucata. Senti uma lágrima no meu visor. Ele estava realmente emocionado com seu descarte. Percebi que ali, naquela aparente bobina da máquina fria, já tinha rolado muito calor humano. Aquele simples aparelho já tinha impresso muito sentimento e história [...]
PASINI, Amarildo. Disponível em: <https://www.folhadelondrina.com.br/folha-2/
cronica-diario-de-um-celular-948301.html>. Acesso em: 13 mar. 2018.
Vocabulário:
toque (2 o §) – por TOC (transtorno obsessivo compulsivo) – perturbação mental caracterizada por obsessões e compulsões.
A crônica propõe uma reflexão principalmente sobre