Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo – há muita gente de genipapo e mancha mongólica no Brasil – a sombra, ou pelo menos a pinta do indígena e do negro. No litoral, do Maranhão ao Rio Grande do Sul, e em Minas Gerais, principalmente do negro. A influência direta, ou vaga e remota, do africano. Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a influência negra. Da escrava ou sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer, ela própria amolegando na mão o bolão de comida. Da negra velha que nos contou as primeiras histórias de bicho e de mal-assombrado. Da mulata que nos tirou o primeiro bicho de pé de uma coceira tão boa. Da que nos iniciou no amor físico e nos transmitiu, ao ranger da cama de vento, a sensação completa de homem. Do muleque que foi o nosso primeiro companheiro de brinquedo.
FREYRE, G. Casa grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Paris: Allca XX, 2002.
Gilberto Freyre foi um polímata brasileiro. No excerto acima, este pensado evidencia o(a)