Troquei a máquina de escrever pelo computador há 21 anos, o que provavelmente já me salvou a vida algumas vezes, mas não pense que minhas relações com ele são uma maravilha. A cada aperfeiçoamento no funcionamento da caranguejola, tenho um motivo para sobressalto, até me acostumar com a novidade e passar a dominá-la também. Uma delas é um novo e infernal corretor automático de texto. Ao perceber que as teclas estão sendo acionadas para formar determinada palavra, o corretor, ligeiro que nem raposa, antecipa-se e termina de escrevê-la por mim. Não sei se, com isso, está apenas querendo se exibir ou se acha que errarei na grafia e oferece-se para completá-la. Até aí tudo bem. Só que, ao fazer isso, ele se atrapalha com os acentos, escreve o que não é para escrever e me obriga a teclar retrocessos e humilhá-lo com uma correção mecânica, o que faço com sádico prazer. Se quero me referir, por exemplo, ao grande sambista do Estácio Alcebiades Barcellos, co-autor de “Agora é Cinza”, inventor do surdo e mais conhecido como Bide, ele intromete um cretiníssimo circunflexo e transforma Bide em Bidê. O arquiteto francês Le Corbusier torna-se Lê Corbusier. [...]
CASTRO, R. Folha de São Paulo. 16 nov. 2009.
O sentido de caranguejola no texto é