Explicaê

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Dupla perversidade

O voto do 31ministro Celso de Mello na quarta-feira, consagrando a admissibilidade de um segundo julgamento para certos crimes de certos réus, constituiu-se num dos mais brilhantes, se não o mais brilhante, dos já proferidos ao longo do processo do mensalão. 30O 21decano do Supremo Tribunal Federal 7matou a questão a pau em dois planos – o dos direitos humanos e o legal. No dos direitos humanos, ou antes da filosofia dos direitos humanos, 16defendeu com sabedoria o direito de os 23réus merecerem uma segunda apreciação de 22suas condenações. No plano legal, com a erudição e a competência que 20o caracterizam, defendeu a questão central de estabelecer 11se continuavam ou não em vigor os chamados embargos infringentes com um argumento decisivo ao lembrar que em 1998 o governo FHC apresentou ao Congresso projeto prevendo explicitamente sua extinção – 12e o Congresso o rejeitou. Se assim ocorreu, 17resulta cristalino que continuam em vigor. O problema é que…

4O problema é que no julgamento de quarta-feira 1a figura douta, judiciosa e altaneira do ministro Celso de Mello, tanto mais insuspeita quanto tem sido ele um dos mais duros na condenação dos réus, 13soou mais do que nunca como fora do lugar. Celso de Mello 18– e isto vai sem ironia, antes a seu favor do que desfavor – é uma figura do Brasil que queremos. No entanto, julgou para o Brasil que temos. E as consequências de seu voto, no Brasil que temos, são duas, iguais em perversidade: (1) a eternização do processo; (2) uma decisão final eventualmente favorável aos réus contaminada pela suspeita de alteração trapaceira do script com a entrada em cena de dois novos integrantes da corte.

A conquista da eternidade na terra foi o sonho vão dos alquimistas. No céu, é artigo de fé, portanto não comprovável, das religiões. 14A eternidade dos processos, no entanto, é no Brasil fenômeno nada sobrenatural, fincado com histórica solidez no cenário nacional graças à coligação invencível das conveniências dos advogados com a docilidade das leis e os costumes frouxos do aparelho judiciário. Os advogados estão aí para isso mesmo – empurrar com a barriga, sempre que o quadro se lhes afigure desfavorável. A lei, com sua pletora de recursos em oferta, oferece-lhes 3uma barriga flácida, fácil de ser empurrada. No atual processo, ofereceu os embargos declaratórios, e, agora, os infringentes. Possibilita também os embargos declaratórios dos embargos declaratórios, e quem sabe, mais adiante, não possibilitará as infringências das infringências.

O Judiciário, com seus hábitos modorrentos, fecha o círculo. Na quarta-feira os ministros concordaram em dobrar o prazo para a apresentação dos novos embargos, de quinze para trinta dias. 2Quando começa a contar o prazo? Na publicação do acórdão com a decisão de aceitá-los. E quando se dará a publicação? 9Sabe-se lá. Na quarta-feira, o ministro Joaquim Barbosa comentou com ironia a tendência do 29tribunal de atrasar o cumprimento de 28seus 6deveres de casa. A própria sessão daquele dia foi reveladora dos hábitos da casa. Deveria começar às 14 horas. Começou às 14h40. Terminado o voto do ministro Celso de Mello, às 16h45, abriu-se o intervalo, em tese de meia hora. Demorou 55 minutos. Os horários de abertura, fechamento e intervalo são determinados pelo regimento do tribunal, o mesmo que prescreve os embargos infringentes. Mereceu 25respeito quanto aos embargos. Não 24o mereceu, 5como 19aliás ocorre sempre, quanto aos horários. 10Não se trata de questão menor, quando a isso se somam os dois meses de férias, o recesso forense de Natal e os muitos feriados.

Quanto à questão dos dois novos integrantes da corte, ambos votaram a favor da admissão dos recursos. Um deles – o 8“novato” Luís Roberto Barroso, como o chamou o veterano Marco Aurélio Mello – já criticou como excessivas as penas impostas aos réus. Os dois foram escalados com o jogo em andamento. É o que fazem os técnicos de futebol quando querem virar o placar. Fundada ou não, é a suspeita que recairá sobre a técnica Dilma Rousseff, e a quem a tenha influenciado, 15caso seus votos sejam determinantes para uma revisão das condenações. A perspectiva é daninha à imagem de um Supremo que, ao fim da primeira fase do julgamento, foi visto como reserva moral da nação e milagroso agente da redenção, na tradição de impunidade dos 27poderosos 26que avacalha o país.(DE TOLEDO, Roberto Pompeu. Dupla perversidade, Revista Veja, São Paulo: Ed. Abril, ed. 2340, p.122, 25 set 2013)

Assinale a alternativa que apresenta a correta relação entre o elemento destacado e a ideia por ele veiculada no texto: 

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