TEXTO
Velhice
Vinícius de Moraes
[115] Virá o dia em que eu hei de ser um velho
experiente
Olhando as coisas através de uma filosofia
sensata
E lendo os clássicos com a afeição que a
[120] minha mocidade não permite.
Nesse dia Deus talvez tenha entrado
definitivamente em meu espírito
Ou talvez tenha saído definitivamente dele.
Então todos os meus atos serão
[125] encaminhados no sentido do túmulo
E todas as ideias autobiográficas da
mocidade terão desaparecido:
Ficará talvez somente a ideia do testamento
bem escrito.
[130] Serei um velho, não terei mocidade, nem
sexo, nem vida
Só terei uma experiência extraordinária.
Fecharei minha alma a todos e a tudo
Passará por mim muito longe o ruído da
[135] vida e do mundo
Só o ruído do coração doente me avisará de
uns restos de vida em mim.
Nem o cigarro da mocidade restará.
Será um cigarro forte que satisfará os
[140] pulmões viciados
E que dará a tudo um ar saturado de
velhice.
Não escreverei mais a lápis
E só usarei pergaminhos compridos.
[145] Terei um casaco de alpaca que me fechará
os olhos.
Serei um corpo sem mocidade, inútil, vazio
Cheio de irritação para com a vida
Cheio de irritação para comigo mesmo.
[150] O eterno velho que nada é, nada vale, nada
vive
O velho cujo único valor é ser o cadáver de
uma mocidade criadora.
MORAES, Vinícius. Velhice. Disponível em:http://www.viniciusdemoraes.com.br/ptbr/poesia/poesias-avulsas/velhice. Acesso: 23/9/17.
Sobre o uso da expressão verbal composta “eu hei de ser” (linha 115) no poema, é correto afirmar que