Explicaê

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TEXTO 2

Gestos amorosos

Rubem Alves

 

  Dei-me conta de que estava velho  

cerca de 25 anos atrás. Já contei o ocorrido  

[35] várias vezes, mas vou contá-lo novamente.  

Era uma tarde em São Paulo. Tomei um  

metrô. Estava cheio. Segurei-me num  

balaústre sem problemas. Eu não tinha  

dificuldades de locomoção. Comecei a fazer  

[40] algo que me dá prazer: ler o rosto das  

pessoas. 

  Os rostos são objetos oníricos: fazem  

sonhar. Muitas crônicas já foram escritas  

provocadas por um rosto - até mesmo o  

[45] nosso - refletido no espelho. Estava eu  

entregue a esse exercício literário quando, ao  

passar de um livro para outro, isto é, de um  

rosto para outro, defrontei-me com uma  

jovem assentada que estava fazendo comigo  

[50] aquilo que eu estava fazendo com os outros.  

Ela me olhava com um rosto calmo e não  

desviou o olhar quando os seus olhos se  

encontraram com os meus. Prova de que ela  

me achava bonito. Sorri para ela, ela sorriu  

[55] para mim... Logo o sonho sugeriu uma  

crônica: "Professor da Unicamp se encontra,  

num vagão de metrô, com uma jovem que  

seria o amor de sua vida..." 

  Foi então que ela me fez um gesto  

[60] amoroso: ela se levantou e me ofereceu o  

seu lugar... Maldita delicadeza! O seu gesto  

amoroso me humilhou e perfurou o meu  

coração... E eu não tive alternativas. Como  

rejeitar gesto tão delicado! Remoendo-me de  

[65] raiva e sorrindo, assentei-me no lugar que  

ela deixara para mim. Sim, sim, ela me  

achara bonito. Tão bonito quanto o seu avô... 

Aconteceu faz mais ou menos um mês. Era a  

festa de aniversário de minha nora. Muitos  

[70] amigos, casais jovens, segundo minha  

maneira de avaliar a idade. Eu estava  

assentado numa cadeira num jardim  

observando de longe. Nesse momento  

chegou um jovem casal amigo. Quando a  

[75] mulher jovem e bonita me viu, veio em  

minha direção para me cumprimentar. Fiz um  

gesto de levantar-me. Mas ela, delicadíssima,  

me disse: "Não, fique assentadinho aí..." Se  

ela me tivesse dito simplesmente "Não é  

[80] preciso levantar", eu não teria me  

perturbado. Mas o fio da navalha estava  

precisamente na palavra "assentadinho". Se  

eu fosse moço, ela não teria dito  

"assentadinho". Foi justamente essa palavra  

[85] que me obrigou a levantar para provar que  

eu era ainda capaz de levantar-me e  

assentar-me. Fiquei com dó dela porque eu,  

no meio de uma risada, disse-lhe que ela  

acabava de dar-me uma punhalada... 

[90]   Contei esse acontecido para uma  

amiga, mais ou menos da minha idade. E ela  

me disse: "Estou só esperando que alguém  

venha até mim e, com a mão em concha,  

bata na minha bochecha, dizendo: "Mas que  

[95] bonitinha..." Acho que vou lhe dar um murro  

no nariz..." 

  Vem depois as grosserias a que nós,  

os velhos, somos submetidos nas salas de  

espera dos aeroportos. Pra começar, não  

[100] entendo por que "velho" é politicamente  

incorreto. "Idoso" é palavra de fila de banco  

e de fila de supermercado; "velho", ao  

contrário, pertence ao universo da poesia. Já  

imaginaram se o Hemingway tivesse dado ao  

[105] seu livro clássico o nome de "O idoso e o  

mar"? Já imaginaram um casal de cabelos  

brancos, o marido chamando a mulher de  

"minha idosa querida"? 

  Os alto-falantes nos aeroportos  

[110] convocam as crianças, as gestantes, as  

pessoas com dificuldades de locomoção e a  

"melhor idade"... Alguém acredita nisso? Os  

velhos não acreditam. Então essa expressão  

"melhor idade" só pode ser gozação.  

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2705200804.h tm. Acesso em: 22/9/17

 

Há várias características que definem o gênero crônica. Dentre elas encontram-se:

 

I. a abordagem de aspectos do cotidiano, em que se apresentam episódios retirados da vida real;

II. a construção de um texto curto e inteligível, escrito em linguagem marcada pelo tom de oralidade e de coloquialidade;

III. a narração dos episódios em primeira pessoa em que predominam as reflexões pessoais do narrador;

IV. a presença de trechos cômicos no relato das cenas narradas. 

 

Considerando as características da crônica descritas acima, é correto afirmar que está presente, no texto de Rubem Alves, o que consta nos itens

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