Explicaê

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TEXTO I

 

O ESCRETE DO SONHO

Nélson Rodrigues

 

[1]   Quem devia escrever a história do  

tricampeonato era Mário Filho. Só ele teria a  

visão homérica do maior feito do futebol  

brasileiro e mundial. Nunca houve, na face da  

[5] terra, um escrete tão humilhado e tão ofendido.  

Vocês se lembram do que aconteceu no  

Morumbi. 

  Sempre digo que a torcida vaia até minuto  

de silêncio. Mas em São Paulo foi demais. A  

[10] torcida queria Edu, e Zagallo escalou Paulo  

César. A vaia começou antes do jogo, continuou  

durante e depois do jogo. Até hoje, não sei  

como Paulo César sobreviveu ao próprio  

massacre. Há um tipo de vaia que explode como  

[15] uma força da natureza. Sim. Uma vaia que  

venta, chove, troveja e relampeja. 

  Os jogadores se entreolhavam, sem entender  

que os tratassem, no Brasil, como o inimigo,  

como o estrangeiro. Mas não era só a multidão.  

[20] Também a imprensa, fora algumas exceções,  

dizia horrores do técnico, do time, dos  

jogadores.  

  Todavia, ninguém contava com o homem  

brasileiro. Cada um de nós é um pouco como o  

[25] Zé do Patrocínio. O “Tigre da Abolição” era  

suscetível às mais cavas e feias depressões. Sua  

retórica sempre começava fria, gaguejante.  

Seus amigos, porém, iam para o meio da massa  

e começavam a berrar: — “Negro burro, negro  

[30] analfabeto, negro ordinário!” E, então,  

Patrocínio pegava fogo. Dizia coisas assim: — 

“Sou negro, sim, Deus deu-me sangue de Otelo  

para ter ciúmes de minha pátria”. Para assumir  

a sua verdadeira dimensão, o escrete precisava  

[35] ser mordido pelas vaias. Foi toda uma  

maravilhosa ressurreição. 

  A Copa do México desmontou a gigantesca  

impostura que a maioria criava em torno do  

futebol europeu. Os virtuosos, os estilistas,  

[40] éramos nós; nós, os goleadores; nós, os  

inventores. E a famosa velocidade? Meu Deus,  

ganhamos andando.  

  Pelé, maravilhosamente negro, poderia  

erguer o gesto, gritando: — “Deus deu-me  

[45] sangue de Otelo para ter ciúmes da minha  

pátria”. E assim, brancos ou pretos, somos 90  

milhões de otelos incendiados de ciúme pela  

pátria. 

(Brasil 4 x 1 Itália, 21/6/1970, na Cidade do México. Brasil tricampeão mundial.) 

RODRIGUES, Nélson. In: A pátria em chuteiras: novas crônicas de futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 1984. p. 158-160. Texto adaptado.

 

Sobre o trecho seguinte: “Há um tipo de vaia que explode como uma força da natureza. Sim. Uma vaia que venta, chove, troveja e relampeja” (linhas 14-16), é INCORRETO afirmar que:

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