Explicaê

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Texto 1 

 

O texto 1 desta prova é da autoria do intelectual cearense Gustavo Barroso, que nasceu em Fortaleza, no ano de 1888 e morreu no Rio de Janeiro, em 1959. Professor, jornalista, ensaísta, romancista, foi membro da Academia Brasileira de Letras. A obra À margem da história do Ceará, em dois volumes, foi seu último trabalho. É uma reunião de setenta e seis artigos e crônicas que falam exclusivamente sobre a história do Ceará entre 1608 e 1959. O texto transcrito abaixo foi extraído do segundo volume e, como vocês poderão ver, é um artigo sobre a obra do também cearense Manuel de Oliveira Paiva, Dona Guidinha do Poço. Servindo-se de uma pesquisa feita pelo historiador Ismael Pordeus, Gustavo Barroso fala do romance de Oliveira Paiva, mais especificamente, das relações entre essa obra literária e a verdade histórica que ela transfigura.

 

A verdadeira D. Guidinha do Poço 

 

[1]   Na última década do século passado,  

entre os tipos populares da cidade de  

Fortaleza, capital do Ceará, minha terra  

natal, andava uma velha desgrenhada,  

[5]  farrapenta e suja, que a molecada perseguia  

com chufas, a que ela replicava com os  

piores doestos deste mundo. Via-a muitas  

vezes na minha meninice, ruas abaixo e  

acima, carregando uma sacola cheia de  

[10] trapos, enfurecida, quando os garotos  

gritavam: — Olha a mulher que matou o  

marido! A gente adulta chamava-lhe a velha  

Lessa. Tinha terminado de cumprir sua pena  

na cadeia pública e andava assim de léu em  

[15] léu, sem teto e sem destino, como um resto  

de naufrágio açoitado pelo mar. Sua figura  

acurvada e encanecida me impressionava,  

mas naquele descuidoso tempo longe estava  

eu de supor que contemplava na mendiga  

[20] semitrôpega a figura central duma tragédia  

real e dum romance destinado a certa  

celebridade literária.  

  O romance é D. Guidinha do Poço, de  

Manuel de Oliveira Paiva, escritor cearense  

[25] nascido em 1861 e falecido em 1892.  

  O que até recentemente se não sabia  

sobre este livro notável é que não passa de  

uma história romanceada com a maior  

fidelidade possível aos elementos humanos,  

[30] sociais e paisagísticos da realidade. Segundo  

o historiador Ismael Pordeus, o romance  

narra simplesmente, com nomes e  

topônimos diversos, o crime cometido pela  

velha Lessa a mulher que matou o marido da  

[35] molecada fortalezense de há mais de meio  

século (sic).  

  O marido, o coronel Domingos Víctor de  

Abreu e Vasconcelos, pacato e respeitável,  

verificando que sua mulher andava de  

[40] amores com um sobrinho pernambucano,  

Senhorinho Antônio Pereira da Costa, sem  

bulha nem matinada, dela se afastou,  

deixando-a na fazenda onde coabitavam e  

passando a residir na então vila de  

[45] Quixeramobim. Vivia, no entanto, tão  

desassossegado, receando qualquer atentado  

por parte da esposa, cujo caráter conhecia,  

que pedira garantias de vida às autoridades  

e andava pelas ruas sob a guarda do  

[50] destacamento policial. Mas, certa manhã, ao  

receber em casa seu afilhado e agregado  

Curumbé, que lhe vinha pedir a bênção, este  

o apunhalou.  

  O criminoso foi detido por dois homens, já  

[55] à saída da vila na Rua do Velame. Confessou  

ter atuado por ordem de D. Maria Francisca  

de Paula Lessa, a D. Marica, que o delegado  

no mesmo dia foi buscar na fazenda  

Canafístula e trancafiou na cadeia, no andar  

[60] térreo da Câmara Municipal. Mulher rica e  

mandona, estava certa de desafiar a justiça  

e obter rapidamente a liberdade. Todavia  

saiu-lhe o trunfo às avessas. Condenada a  

30 anos de prisão, terminou “seus últimos  

[65] anos de vida na mais extrema miséria,  

implorando a caridade pública nas ruas de  

Fortaleza. Circunstância especial: conservou  

sempre como residência, mesmo depois de  

cumprida a pena, a cela em que estivera  

[70] reclusa na cadeia da capital. Jamais quis  

tornar a Quixeramobim: orgulho ou  

remorso?”  

Gustavo Barroso. À margem da história do Ceará. v. 2, 3 ed. p. 347-350. Texto adaptado. 

 

Atente para as aspas que marcam os enunciados entre as linhas 64 e 72 e o que se diz sobre elas.

 

I. Expressam que o direito de falar é concedido a outro enunciador que não aquele que até o momento tinha a palavra.

II. Como não remetem a um sujeito preciso, somente asseguram que o enunciado não é mais do enunciador que antes tinha a palavra, o qual se exime das responsabilidades sobre o dito.

III. Indicam que o que é dito pelo segundo enunciador é paradoxal, está à margem da opinião comum.

 

Está correto o que se diz em

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