Texto 2
"Não existe memória sem emoção"
O português Antônio Damásio, de
[115] 65 anos, é considerado um dos
neurocientistas mais respeitados da
atualidade. Damásio modificou a
compreensão que se tem da biologia das
emoções, e de como elas se relacionam
[120] com a memória. Ele concedeu a seguinte
entrevista a VEJA, de sua sala da
Universidade do Sul da Califórnia, em Los
Angeles, onde leciona.
QUAL É O PAPEL DAS EMOÇÕES NO
[125] PROCESSO DE FORMAÇÃO E
ARMAZENAMENTO DA MEMÓRIA? A
emoção modula constantemente a forma
como os dados e os acontecimentos são
guardados na memória. Isso é
[130] especialmente verdadeiro no que diz
respeito à memória para pessoas e para
as características relacionadas a elas.
Afinal de contas, a sociabilidade faz parte
da nossa memória genética, com a qual
[135] nascemos e que é resultado de milhões de
anos de evolução.
COMO AS EMOÇÕES CONTROLAM A
MEMORIZAÇÃO? Grande parte de
nossas decisões é tomada de maneira
[140] mais ou menos automática e inconsciente.
Esse processo é guiado pelo valor que se
dá às diversas experiências do passado.
Por exemplo, se eu conheço uma pessoa
que desperta boas emoções em mim, toda
[145] vez que eu a encontrar vou reviver uma
memória que se divide em dois aspectos:
o cognitivo (saber quem é a pessoa) e o
emocional (é alguém de quem se gosta).
Tais aspectos guiam a forma como
[150] conduzimos a relação com os outros. Não
há memória ou tomadas de decisão
neutras, sem emoção. Hoje já se sabe até
em que regiões do cérebro as emoções
são processadas.
[155] O QUE DIFERENCIA HOMENS DE
ANIMAIS NO QUE SE REFERE À
MEMÓRIA? O que mais distingue a
memória humana é a capacidade de ter
uma autobiografia. Cada um de nós sabe
[160] em grande pormenor e lucidez quando
nascemos, quem são os nossos pais ou os
nossos amigos, quais são as nossas
preferências, o que já fizemos na vida...
Enfim, qual é a nossa história. Um
[165] chimpanzé ou um cão têm isso de forma
limitada. Neles a memória não possui a
mesma riqueza de detalhes e de
abrangência. Essa diferença é amplificada
pela linguagem, que é exclusivamente
[170] humana. A linguagem é também a
capacidade de codificar as memórias não
verbais numa forma verbal. Isso expande
enormemente tudo o que o ser humano é
capaz de memorizar.
[175] DE QUE MANEIRA A MEMÓRIA
INFLUENCIA A CRIATIVIDADE E A
INVENTIVIDADE? A grande força da
criatividade é, evidentemente, a
imaginação. E esta nada mais é que a
[180] manipulação de imagens, que podem ser
visuais, auditivas, táteis ou olfativas. Essa
manipulação depende não só das imagens
que alguém capta em determinado
momento, como daquelas guardadas no
[185] armazém de memórias. A imaginação,
portanto, recupera informações que foram
gravadas nos circuitos nervosos, onde,
com a ajuda da emoção, foram
organizadas de acordo com certas
[190] categorias. Um grande poeta ou inventor é
alguém que consegue usar a emoção para
manipular essas imagens visuais, auditivas
ou olfativas de forma extraordinariamente
rica.
[195] É CURIOSO QUE ALGO CONSIDERADO
TÃO TRANSCENDENTE COMO A ARTE
SEJA FRUTO DE SINAIS ELÉTRICOS E
QUÍMICOS TRANSMITIDOS POR
CÉLULAS NEURAIS. Os neurônios,
[200] organizados em circuitos, comunicam-se
por meio de reações eletroquímicas. O
padrão ou o desenho dos circuitos é o que
permite a construção de todas as
imagens. Isso vale tanto para o que se
[205] passa no mundo exterior — visões ou
sonhos, por exemplo — como para
imagens interiores, produzidas e
transformadas por um estado emocional.
São elas que constituem aquilo que
[210] chamamos de espírito humano.
(VEJA, 13/01/2010.)
Assinale a opção que traduz o pensamento expresso pelo entrevistado no trecho entre as linhas 143 e 148.