Explicaê

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Ler e crescer

 

Com a inacreditável capacidade humana de ter ideias, sonhar, imaginar, observar, descobrir, constatar,

enfim, refletir sobre o mundo e com isso ir crescendo, a produção textual vem se ampliando ao longo

da história. As conquistas tecnológicas e a democratização da educação trazem a esse acervo uma

multiplicação exponencial, que começa a afligir homens e mulheres de várias formas. Com a angústia do

[5]  excesso. A inquietação com os limites da leitura. A sensação de hoje ser impossível abarcar a totalidade

do conhecimento e da experiência (ingênuo sonho de outras épocas). A preocupação com a abundância

da produção e a impossibilidade de seu consumo total por meio de um indivíduo. O medo da perda. A

aflição de se querer hierarquizar ou organizar esse material. Enfim, constatamos que a leitura cresceu, e

cresceu demais.

[10]  Ao mesmo tempo, ainda falta muito para quanto queremos e necessitamos que ela cresça. Precisa

crescer muito mais. Assim, multiplicamos campanhas de leitura e projetos de fomento do livro. Mas

sabemos que, com todo o crescimento, jamais a leitura conseguirá acompanhar a expansão incontrolável

e necessariamente caótica da produção dos textos, que se multiplicam ainda mais, numa infinidade de

meios novos. Muda-se então o foco dos estudiosos, abandona-se o exame dos textos e da literatura,

[15]  criam-se os especialistas em leitura, multiplicam-se as reflexões sobre livros e leitura, numa tentativa de

ao menos entendermos o que se passa, já que é um mecanismo que recusa qualquer forma de domínio e

nos fugiu ao controle completamente.

Falar em domínio e controle a propósito da inquietação que assalta quem pensa nessas questões equivale

a lembrar um aspecto indissociável da cultura escrita, e nem sempre trazido com clareza à consciência:

[20]  o poder.

Ler e escrever é sempre deter alguma forma de poder. Mesmo que nem sempre ele se exerça sob a forma

do poder de mandar nos outros ou de fazer melhor e ganhar mais dinheiro (por ter mais informação e

conhecer mais), ou sob a forma de guardar como um tesouro a semente do futuro ou a palavra sagrada

como nos mosteiros medievais ou em confrarias religiosas, seitas secretas, confrarias de todo tipo. De

[25]  qualquer forma, é uma caixinha dentro da outra: o poder de compreender o texto suficientemente para

perceber que nele há várias outras possibilidades de compreensão sempre significou poder – o tremendo

poder de crescer e expandir os limites individuais do humano.

Constatar que dominar a leitura é se apropriar de alguma forma de poder está na base de duas atitudes

antagônicas dos tempos modernos. Uma, autoritária, tenta impedir que a leitura se espalhe por todos,

[30]  para que não se tenha de compartilhar o poder. Outra, democrática, defende a expansão da leitura para

que todos tenham acesso a essa parcela de poder.

Do jeito que a alfabetização está conseguindo aumentar o número de leitores, paralelamente à expansão

da produção editorial que está oferecendo material escrito em quantidades jamais imaginadas antes, e

ainda com o advento de meios tecnológicos que eliminam as barreiras entre produção e consumo do

[35]  material escrito, tudo levaria a crer que essa questão está sendo resolvida. Será? Na verdade, creio que

ela se abre sobre outras questões. Que tipo de alfabetização é esse, a que tipo de leitura tem levado, com

que tipo de utilidade social?

ANA MARIA MACHADO www.dubitoergosum.xpg.com.br 

O processo de composição da imagem de Pep Montserrat é o de “colagem”, misturando e combinando signos visuais diferentes.

Esse processo de mistura e combinação pode ser relacionado diretamente ao seguinte trecho do texto de Ana Maria Machado:

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