Explicaê

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Fotojornalismo

 

Vem perto o dia em que soará para os escritores a hora do irreparável desastre e da derradeira

desgraça. Nós, os rabiscadores de artigos e notícias, já sentimos que nos falta o solo debaixo

dos pés… Um exército rival vem solapando os alicerces em que até agora assentava a nossa

supremacia: é o exército dos desenhistas, dos caricaturistas e dos ilustradores. O lápis destronará

[5]  a pena: ceci tuera cela1.

O público tem pressa. A vida de hoje, vertiginosa e febril, não admite leituras demoradas, nem

reflexões profundas. A onda humana galopa, numa espumarada bravia, sem descanso. Quem

não se apressar com ela será arrebatado, esmagado, exterminado. O século não tem tempo a

perder. A eletricidade já suprimiu as distâncias: daqui a pouco, quando um europeu espirrar,

[10]  ouvirá incontinenti2 o “Deus te ajude” de um americano. E ainda a ciência humana há de achar o

meio de simplificar e apressar a vida por forma tal que os homens já nascerão com dezoito anos,

aptos e armados para todas as batalhas da existência.

Já ninguém mais lê artigos. Todos os jornais abrem espaço às ilustrações copiosas, que entram

pelos olhos da gente com uma insistência assombrosa. As legendas são curtas e incisivas: toda

[15]  a explicação vem da gravura, que conta conflitos e mortes, casos alegres e casos tristes.

É provável que o jornal-modelo do século 20 seja um imenso animatógrafo3, por cuja tela vasta

passem reproduzidos, instantaneamente, todos os incidentes da vida cotidiana. Direis que as

ilustrações, sem palavras que as expliquem, não poderão doutrinar as massas nem fazer uma

propaganda eficaz desta ou daquela ideia política. Puro engano. Haverá ilustradores para a sátira,

[20]  ilustradores para a piedade.

(...) Demais, nada impede que seja anexado ao animatógrafo um gramofone de voz tonitruosa4,

encarregado de berrar ao céu e à terra o comentário, grave ou picante, das fotografias.

E convenhamos que, no dia em que nós, cronistas e noticiaristas, houvermos desaparecido da

cena – nem por isso se subverterá a ordem social. As palavras são traidoras, e a fotografia é fiel.

[25]  A pena nem sempre é ajudada pela inteligência; ao passo que a máquina fotográfica funciona

sempre sob a égide5 da soberana Verdade, a coberto das inumeráveis ciladas da Mentira, do

Equívoco e da Miopia intelectual. Vereis que não hão de ser tão frequentes as controvérsias…

(...)

Não insistamos sobre os benefícios da grande revolução que a fotogravura vem fazer no

jornalismo. Frisemos apenas este ponto: o jornal-animatógrafo terá a utilidade de evitar que

[30]  nossas opiniões fiquem, como atualmente ficam, fixadas e conservadas eternamente, para

gáudio6 dos inimigos… Qual de vós, irmãos, não escreve todos os dias quatro ou cinco tolices

que desejariam ver apagadas ou extintas? Mas, ai! de todos nós! Não há morte para as nossas

tolices! Nas bibliotecas e nos escritórios dos jornais, elas ficam (...) catalogadas.

No jornalismo do Rio de Janeiro, já se iniciou a revolução, que vai ser a nossa morte e a

[35]  opulência7 dos que sabem desenhar. Preparemo-nos para morrer, irmãos, sem lamentações

ridículas, aceitando resignadamente a fatalidade das coisas, e consolando-nos uns aos outros

com a cortesia de que, ao menos, não mais seremos obrigados a escrever barbaridades…

Saudemos a nova era da imprensa! A revolução tira-nos o pão da boca, mas deixa-nos aliviada

a consciência.

Olavo Bilac, Gazeta de Notícias, 13/01/1901.

Vem perto o dia em que soará para os escritores a hora do irreparável desastre e da derradeira desgraça. (l.1-2)


A profecia para os escritores, anunciada na primeira frase do texto de forma extremamente negativa, se opõe ao tom e à conclusão do texto.

Considerando esse contraste, o texto de Bilac pode ser qualificado basicamente como:

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