[1] Há alguns meses fui convidado a visitar o Museu da Ciência de La Coruña, na Galícia. Ao final da visita, o curador1 anunciou que tinha uma surpresa para mim e me conduziu ao planetário2 . Um planetário sempre é um lugar sugestivo, porque, quando se apagam as luzes, temos a impressão
de estar num deserto sob um céu estrelado. Mas naquela noite algo especial me aguardava.
[5] De repente a sala ficou inteiramente às escuras, e ouvi um lindo acalanto de Manuel de Falla.
Lentamente (embora um pouco mais depressa do que na realidade, já que a
apresentação durou ao todo quinze minutos) o céu sobre minha cabeça se pôs a rodar. Era o céu que aparecera sobre minha cidade natal – Alessandria, na Itália – na noite de 5 para 6 de janeiro de 1932,
quando nasci. Quase hiper-realisticamente vivenciei a primeira noite de minha vida.
[10] Vivenciei-a pela primeira vez, pois não tinha visto essa primeira noite.
Provavelmente nem minha mãe a viu, exausta como estava depois de me dar à luz; mas talvez meu pai a tenha visto,
ao sair para o terraço, um pouco agitado com o fato maravilhoso (pelo menos para ele) que testemunhara e ajudara a produzir.
O planetário usava um artifício mecânico que se pode encontrar em muitos lugares.
Outras [15] pessoas talvez tenham passado por uma experiência semelhante. Mas vocês hão de me perdoar se durante aqueles quinze minutos tive a impressão de ser o único homem desde o início dos
tempos que havia tido o privilégio de se encontrar com seu próprio começo. Eu estava tão feliz que tive a sensação – quase o desejo – de que podia, deveria morrer naquele exato momento
e que qualquer outro momento teria sido inadequado. Teria morrido alegremente, pois vivera a
[20] mais bela história que li em toda a minha vida.
Talvez eu tivesse encontrado a história que todos nós procuramos nas páginas dos livros e nas telas dos cinemas: uma história na qual as estrelas e eu éramos os protagonistas.
Era ficção porque a história fora reinventada pelo curador; era História porque recontava o que . acontecera no cosmos num momento do passado; era vida real porque eu era real e não uma personagem de romance. .
Adaptado de Seis passeios pelos bosques da ficção. Tradução: Hildegard Feist. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
No último parágrafo, ao descrever a experiência vivida no planetário, o autor
identifica três efeitos: de ficção, de História e de realidade.
De acordo com a exposição do autor, a interação entre esses três efeitos pode ser descrita como uma relação de: