Explicaê

01

Era a primeira vez que as duas iam ao morro do Castelo. Começaram a subir pelo lado da Rua do Carmo. Muita gente há no Rio de Janeiro que nunca lá foi, muita haverá morrido, muita mais

nascerá e morrerá sem lá pôr os pés. Nem todos podem dizer que conhecem uma cidade inteira.

Um velho inglês, que aliás andara terras e terras, confiava-me há muitos anos em Londres que

[5] de Londres só conhecia bem o seu clube, e era o que lhe bastava da metrópole e do mundo.

Natividade e Perpétua conheciam outras partes, além de Botafogo, mas o morro do Castelo,

por mais que ouvissem falar dele e da cabocla que lá reinava em 1871, era-lhes tão estranho e

remoto como o clube. O íngreme, o desigual, o mal calçado da ladeira mortificavam os pés às duas pobres donas. Não obstante, continuavam a subir, como se fosse penitência, devagarinho,

[10] cara no chão, véu para baixo. A manhã trazia certo movimento; mulheres,

homens, crianças que desciam ou subiam, lavadeiras e soldados, algum empregado, algum lojista, algum padre, todos

olhavam espantados para elas, que aliás vestiam com grande simplicidade; mas há um donaire*

que se não perde, e não era vulgar naquelas alturas. A mesma lentidão no andar, comparada à

rapidez das outras pessoas, fazia desconfiar que era a primeira vez que ali iam. (...)

[15] Com efeito, as duas senhoras buscavam disfarçadamente o número da casa da cabocla, até

que deram com ele. A casa era como as outras, trepada no morro. Subia-se por uma escadinha,estreita, sombria, adequada à aventura. Quiseram entrar depressa, mas esbarraram

com dous ] sujeitos que vinham saindo, e coseram-se ao portal. Um deles perguntou-lhes familiarmente se

iam consultar a adivinha.

[20] – Perdem o seu tempo, concluiu furioso, e hão de ouvir muito disparate...

– É mentira dele, emendou o outro, rindo; a cabocla sabe muito bem onde tem o nariz.

Hesitaram um pouco; mas, logo depois advertiram que as palavras do primeiro eram sinal certo

da vidência e da franqueza da adivinha; nem todos teriam a mesma sorte alegre. A dos meninos

da Natividade podia ser miserável, e então... Enquanto cogitavam passou fora um carteiro, que

[25] as fez subir mais depressa, para escapar a outros olhos. Tinham fé, mas tinham também vexame da opinião, como um devoto que se benzesse às escondidas.

Velho caboclo, pai da adivinha, conduziu as senhoras à sala. (...)

– Minha filha já vem, disse o velho. As senhoras como se chamam?

(...)

A falar verdade, temiam o seu tanto, Perpétua menos que Natividade. A aventura parecia

[30] audaz, e algum perigo possível. Não ponho aqui os seus gestos; imaginai que eram inquietos e desconcertados. Nenhuma dizia nada. Natividade confessou depois que tinha um ó na garganta. Felizmente, a cabocla não se demorou muito; ao cabo de três ou quatro minutos, o pai a trouxe pela mão, erguendo a cortina do fundo.

MACHADO DE ASSIS Esaú e Jacó. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.

*donaire − elegância


No texto de Machado de Assis, narra-se um episódio protagonizado por duas

personagens que se dirigem a uma consulta com uma adivinha


Com base no exposto no texto, uma motivação para essa consulta pode ser descrita como:

Desconsiderar opção Created with Sketch. Considerar opção Created with Sketch.
Desconsiderar opção Created with Sketch. Considerar opção Created with Sketch.
Desconsiderar opção Created with Sketch. Considerar opção Created with Sketch.
Desconsiderar opção Created with Sketch. Considerar opção Created with Sketch.