Explicaê

01

Texto 4

Margarida

A garota em êxtase brandiu o postal que recebera do namorado em excursão na Grécia:

— Coisa mais linda! Olha só o que ele escreveu: “Eu queria desfolhar teu coração como se ele fosse a mais margarida de todas as margaridas”. Marquinhos é genial, o senhor não acha?

— Pode ser que seja, não conheço Marquinhos. […] Mas essa frase não é de Marquinhos.

— Não é de Marquinhos?! Tá com a letra dele, assinada por ele.

— Estou vendo que assinou, mas é de Darío.

— Quem? O Darío, do Atlético Mineiro? Sem essa.

— Não, minha florzinha, Darío, Rubén Darío, o poeta da Nicarágua.

— Não conheço. Então Rubén Darío falou o poema para Marquinhos e Marquinhos

achou bacana e pediu o verso emprestado a ele?

— Tenho a impressão que o Marquinhos não pediu nada emprestado a Rubén

Darío. Tomou sem consultar.

— Como é que o senhor sabe?

— É muito difícil consultar o Darío.

— Por quê? Ele não dá bola para gente? Não gosta da mocidade? É careta?

[…]

— Ele morreu em 1916.

— Ah! E como é que o Marquinhos descobriu essa margarida, me conte!

— Simples. Leu num livro de poemas de Rubén Darío.

[…]

Ficou tão triste — os olhos, a boca, a testa franzida — que achei de meu dever confortá-la:

— Que importância tem isso? A frase é de Darío, é de Marquinhos, é de toda pessoa sensível, capaz de assimilar o coração à margarina... Desculpe: à margarida.

[…]

— Ah, o senhor está por fora. Eu queria a margarida só para mim. Copiada não tem graça. A graça era imaginar Marquinhos, muito sério, desfolhando meu coração transformado em margarida, para saber se eu gosto dele, um pouquinho, bastante, muito loucamente, nada. E a margarida sempre com uma pétala escondida por baixo da outra, entende? Para ele não ter certeza, porque essa certeza eu não dava... Era gozado.

— Continue imaginando.

— Agora não dá pé. Marquinhos roubou a margarida, quis dar uma de poeta. Não colou.

— Espere um pouco. Eu disse que a margarida era de Rubén Darío? Esta cabeça!

  Esquece, minha filha. Agora me lembro que Rubén Darío nem podia ouvir falar em margarida, começava a espirrar, a tossir, ficava sufocado, uma coisa horrível. Alergia

— que no tempo dele ainda não estava batizada. Pois é. Garanto a você, posso jurar que a margarida não é de Darío.

— De quem é então?

— De Marquinhos, ué.

— Tem certeza que nunca ninguém antes de Marquinhos escreveu “a mais margarida de todas as margaridas”? […]

— Absoluta. Marquinhos é genial, reconheço. Mas, por via das dúvidas, continue escondendo uma pétala de reserva, sim?

— Pode deixar por minha conta. […] Agora tá legal, tchau, vovô!

Vovô: foi assim que ela me agradeceu a mentira generosa, a bandida.

(ANDRADE, Carlos Drummond de. Margarida. Disponível em: <http://www.paralerepensar.

com.br/drummond_cronicas.htm#MARGARIDA>. Acesso em: 15 jan. 2011.)

No trecho “— Não conheço. Então Rubén Darío falou o poema para Marquinhos e Marquinhos achou bacana e pediu o verso emprestado a ele?” (linhas 12-13), o pronome em destaque retoma e substitui



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