Explicaê

01

Uma audição inesquecível

       

  Durante três meses, no segundo semestre de 2005, alunos de 2ª série de uma escola de São Paulo viveram uma situação rara na Educação pública brasileira, experiência que os marcará para o resto da vida. Eles tiveram aulas regulares de música. A iniciativa merece ainda mais destaque por se tratar de um grupo de estudantes da EMEF Professora Maria Berenice dos Santos, no extremo sul da cidade, região em que o acesso aos meios culturais se restringe ao rádio e à TV. "Eram crianças com um repertório limitado ao que é oferecido pela mídia de massa. Não conheciam cantigas populares e muito menos a música erudita", conta a professora Daniela da Costa Neves, 25 anos, autora do projeto com o qual foi eleita Educadora Nota 10 no Prêmio Victor Civita 2006.  

  Imagem  

  Ao longo das atividades, as crianças aprenderam conceitos básicos de apreciação musical, como o reconhecimento de instrumentos e respectivos timbres, notas e suas alturas (mais graves, mais agudas), rítmica e formas básicas de composição. O desfecho do projeto foi uma inesquecível visita à Sala São Paulo, uma das principais casas de concerto do mundo. Nesse dia, as crianças acompanharam uma apresentação didática de seis obras executadas pela Orquestra Sinfônica de Santo André (antes ou depois de reger a música, o maestro dá explicações, mostra instrumentos, conta rápidas histórias sobre o compositor ou a obra, pede que cada músico toque seu instrumento para as crianças identificarem o som).  

 

    Para "tocar" as atividades desenvolvidas anteriormente em sala de aula, Daniela valeu-se da formação que tem em Educação Artística com habilitação em Música. "Mas tudo o que fiz pode ser feito também por professores leigos no assunto", assegura ela. "O diferencial do projeto da Daniela é o planejamento", atesta Marisa Szpigel, formadora de professores de Arte e selecionadora do Prêmio Victor Civita em 2006. "Ela se preparou para cada ação e estabeleceu objetivos claros e compartilhados com os alunos. Eles sabiam, desde o início, aonde iriam chegar." (Leia mais sobre a seleção no quadro.)  

 

    A base do trabalho foi o programa mantido pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), que tem por missão formar público ouvinte de música erudita (e professores do Ensino Fundamental para a Educação Musical). Daniela realizou todas as atividades propostas pela Osesp e subiu um degrau a mais. Ela explorou conceitos de composição, realizou atividades sobre ritmo baseadas num trabalho de percussão corporal e de instrumentos de sucata e levou para a classe canções populares de mestres da MPB. "Meus alunos dificilmente terão a oportunidade de seguir uma carreira musical nem terão acesso a instrumentos e cursos, pois vivem numa região onde esse tipo de alimento cultural não é prioridade. Mas plantei uma semente em cada um deles", conta Daniela.  

     

    O programa de Educação Musical foi dividido em dez atividades, distribuídas em 13 aulas, que tinham duração de uma hora e meia. As tarefas intercalaram momentos de apreciação de diversas obras, produção musical, leitura de textos, escrita de relatos e confecção de desenhos.  

 

    Os sons da orquestra  

  Para diagnosticar os conhecimentos da turma, na primeira aula Daniela perguntou o que os estudantes entendiam por uma orquestra e pediu que fizessem desenhos. Entre as respostas e imagens, ficou evidente a referência a bandas populares, pois apareceram instrumentos como guitarra ou bateria, acessórios como pedestais e microfones e artistas pop, como Sandy & Júnior. A professora, então, explicou que esse tipo de formação é apenas uma entre várias outras.  

 

    Em seguida, ela propôs a leitura do livro Orquestra Tintim por Tintim, que detalha os instrumentos de uma orquestra erudita e é acompanhado de um CD que apresenta o som de cada um deles. Ao ouvi-lo com os alunos, Daniela trabalhou o conceito de timbre e pediu que identificassem sons graves e agudos.  

  As notas musicais entraram na segunda etapa. Ouvindo e depois cantando Minha Canção, escrita por Chico Buarque para o musical Os Saltimbancos, a garotada conheceu as sete notas da escala, seus nomes e suas alturas. Cada verso da música começa com o nome da nota que está sendo executada na melodia. Ao "ensaiar" a cantiga, Daniela trabalhou a afinação das crianças, a memória melódica e a leitura da letra, reproduzida num grande cartaz. Além de ouvir e cantar, os alunos fizeram exercícios acompanhados de um teclado. Conforme Daniela tocava, eles indicavam a altura com um movimento de braço. Quanto mais agudo o som, mais alto o braço.  

     

  O compositor norueguês Edvard Grieg (1843- 1907) foi apresentado na terceira atividade do projeto. Ouvindo a quarta parte (Na Gruta do Rei da Montanha) da composição Peer Gynt, a classe conheceu conceitos relacionados à dinâmica musical, além de ter seu primeiro contato com o repertório erudito. Depois de ouvir uma vez, Daniela colocou a música para tocar novamente e pediu que todos se movimentassem pelo pátio de acordo com o andamento e a intensidade da peça.  

     

  A sonata O Burrico de Pau, do compositor brasileiro Antonio Carlos Gomes (1836-1896), foi o tema da aula seguinte. Antes de ouvir a obra, porém, Daniela contou aos atentos alunos sobre os sons produzidos pelo cavalo galopando. Para imitar o som, convidou-os a percutir nas próprias pernas com as mãos em forma de concha - sempre tentando manter o ritmo. Em seguida, todos imitaram o som do burro com a voz.  

  O poema O Menino Azul, de Cecília Meireles, foi a inspiração para o grupo produzir uma história coletiva em prosa sobre um menino e seu burrinho. Finalmente, chegou a hora de ouvir a peça de Carlos Gomes, escrita para ser executada por uma formação de câmara (só com instrumentos de corda). Os alunos perceberam a diferença entre essa formação e a de uma orquestra completa (tema da aula anterior). A audição também evidenciou a qualidade do timbre dos instrumentos de corda.  

  http://revistaescola.abril.com.br/arte/pratica-pedagogica/audicao-inesquecivel-424837.shtml  

     

  Apesar do plano de aula acima descrito em reportagem da Revista Novaescola ser direcionado para alunos de 2ª série, compartilhe com a turma no intuito de mostrar a importância de tornar mais familiar a música erudita como aquisição de cultura.  

   

  Proponha aos alunos pesquisarem, sobre o assunto, e abra uma roda de discussão após coletadas as informações, para compartilharem, discutirem e trocarem opiniões. Seria interessante programar levar os alunos a um concerto ou qualquer outra apresentação de música erudita para que possam vivenciar e observar uma orquestra tocando, a postura dos músicos,  a distribuição dos instrumentos e outros detalhes que não se pode perceber sem ser ao vivo. Depois complemente e aprofunde o conhecimento com audições de músicas eruditas de diferentes autores e épocas. Oriente os alunos a cada audição que um grupo da turma se encarregue de elaborar uma crítica e apresentar para o resto da turma.