Hudinilson Jr.
Hudinilson Jr. É um artista paulistano ligado às vanguardas da arte brasileira da década de 80. A temática do seu trabalho, ao mesmo tempo que utiliza o corpo e o homoerotismo, aborda questões sociais da vida contemporânea. Suas múltiplas experimentações compreendem grafitti, xerox, intervenções urbanas, pintura, e, especialmente, uma monumental obra em livros de artista com colagens inusitadas. Juntamente com Mario Ramiro e Rafael França, participou do grupo 3NÓS3, que pelas intervenções urbanas e performances teve significativa importância no circuito de arte de São Paulo. Suas obras já estiveram expostas em Porto Alegre no Espaço N.O., em 1980 e 1982 e na III Bienal do Mercosul, em 2001. A mostra trará ao público obras do artista que integram o acervo da Fundação Vera Chaves Barcellos.
SOBRE A MOSTRA / Texto das curadoras Ana Albani de Carvalho e Neiva Bohns
corpocomopção
Hudinilson não fotografa. Fotocopia. Interage com uma máquina xerográfica, ao mesmo tempo “veículo e co-autora”, como se fosse uma amante. Ou um médico legista (auto-análise metódica). Em Narciso examina o próprio corpo à exaustão. No Exercício de me ver – voragem do olhar – não o encontramos inteiro. Ironia na metonímia: a parte é maior que o todo. Um corpo seu. Um corpo meu. O olhar percorrendo a pele, a carne sobrecarregada de sentido. Em todos os textos e imagens, a delicadeza do menino caprichoso. Poesia.
(O que o artista vê? O que o espectador faz?) Percorrer as páginas dos diários visuais de Hudinilson é assim como olhar pelo buraco da fechadura. Somos tragados pela volúpia da imagem. Associações de idéias, turbilhão. Imagens de homens, mulheres, coisas, lugares. De uma maneira, por assim dizer, warburguiana, as idéias do artista estão todas ali (nas imagens; na associação entre elas).
Formas das mais distintas origens podem se assemelhar, podem se completar, podem sugerir relações inusitadas. Redes concretas de objetos heterogêneos são unificados pelo olhar e pelo gesto do artista. Por associação, conectamos as bordas dessas imagens/objetos e construímos sentidos. Potência.
Livro de artista feito pela agregação de imagens disseminadas pelos meios de comunicação de massa, pela seleção de coisas que agradam aos olhos e prometem prazeres, pelo desdobramento de idéias, pela subversão do acaso, pela revelação, sem censura, de todos os desejos. Montagem como poética e linguagem.
Um pouco de história: no final dos anos setenta e início dos oitenta vivia-se, no Brasil, uma fase de distensão política, que anunciava a retomada da democracia, depois de longos anos sob regime militar-ditatorial. Nas artes visuais, era tempo de experimentações de novos suportes e linguagens, e de negação dos métodos tradicionais de fabricação de imagens.
Os princípios da arte conceitual já se tinham tornado conhecidos em certos meios artísticos que mantinham contato com os principais núcleos de produção internacional. A associação entre linguagem verbal e visual, iniciada com a poesia concreta dos anos cinqüenta, tornava-se central no trabalho de alguns artistas (vide o caso do espanhol radicado no Brasil, Júlio Plaza).
O formalismo concretista – e mesmo neoconcretista – cedia lugar a obras com conteúdo crítico, de cunho político ou comportamental. As apropriações de imagens do mundo capitalista, iniciadas pela Pop Art tinham produzido, em terras tropicais, uma versão muito mais debochada, ácida e provocativa do que as vertentes norte-americana e inglesa. Ainda se estavam absorvendo as propostas espaciais e sensoriais de Hélio Oiticica e Lygia Clark.
O enfoque sobre as experiências físicas colocava o corpo (e todas suas possibilidades) no centro das atenções, não só nas artes plásticas, mas também na dança e no teatro. Nesse contexto, o trabalho de Hudinilson Jr. despontava na capital paulista como um libelo pela liberdade de opções, fossem elas políticas, estéticas ou sexuais.
Um pouco de diferença: o jovem poeta, de corpo atlético e vasta cabeleira, foi um dos pioneiros, no Brasil, no uso de recursos mecânicos (como máquinas fotocopiadoras) para produção de imagens de grande força visual. Explorando ao máximo os recursos do meio que utilizava, obtinha resultados altamente expressivos. Desde seus primeiros álbuns, datados dos anos setenta, já recorria ao uso de formas surgidas a partir de partes de seu próprio corpo. A exuberância das formas musculosas e a profusão dos pelos davam a perceber um corpo masculino e viril. Mas o contato íntimo do corpo com a máquina, e a relação de total entrega às sensações físicas também colocavam em questão a sua condição sexual de homem/mulher. Homemulher. Nem homem nem mulher. Ou ambos. Pessoa.
A sinceridade de uma pessoa só – um artista outsider – contra a hipocrisia social. Para além do exercício masturbatório e exibicionista, a ênfase do trabalho recaía sobre o prazer da descoberta do corpo, sobre o ato de desvencilhar-se dos medos e dos tabus, dos preconceitos e das determinações morais e religiosas.
Uma última questão: por que trazer Hudinilson Jr. à baila, depois de findo e exaurido o século dos mais malditos dentre os malditos, e quando as artes visuais parecem ter recuperado a saúde dos pulmões, e os bons hábitos/hálitos?
Primeiro, porque a produção de Hudinilson nos auxilia a perceber a diferença entre pureza e ingenuidade. Seu trabalho é de uma pureza brutal, sem concessões ao ingênuo ou ao espetacular. Segundo, para recordar um tempo em que não éramos tão pragmáticos. Apenas mais alegres, confiantes e produtivos. Como dizia Lacan, “antes do visto há o dado-a-ver”.
SOBRE O ARTISTA
Hudinilson Urbano Júnior (São Paulo SP 1957). Artista multimídia. Cursa artes plásticas na Fundação Armando Álvares Penteado, entre 1975 e 1977. Experimenta múltiplas expressões artísticas como desenho, pintura, arte postal, graffiti, xerografia, performance e intervenções urbanas. É um dos pioneiros no uso da arte xerox no Brasil. Em 1979, funda o grupo 3nós3, com os artistas Rafael França (1957 - 1991) e Mario Ramiro (1957), que até 1982, realiza intervenções artísticas na paisagem urbana de São Paulo. A partir de 1982, inicia a série Exercícios de Me Ver, que consiste na reprodução xerográfica de partes do próprio corpo, com exposições no Espaço N.O., Porto Alegre, e no MAC/USP em 1983. Seus trabalhos em graffiti, utilizando estêncil, são elaborados desde meados da década de 1980, no mesmo período, conhece Alex Vallauri (1949 - 1987), de quem recebe orientações e o acompanha em alguns trabalhos. Em 1984 participa da 1ª Bienal de Havana e da exposição Arte Xerox Brasil, na Pinacoteca do Estado de São Paulo, da qual é o curador. Expõe na 18ª Bienal Internacional de São Paulo em 1985 e na 3ª Bienal de Artes Visuais do Mercosul, em 2001. (Fonte Itaú Cultural)
http://www.koralle.com.br/detalhe_da_noticia.asp?id=336
Compartilhe com a turma a reportagem acima e converse com os alunos sobre as questões expostas no texto. A obra do artista Hudinilson é repleta de imagens formando uma teia de idéias, que lembra exatamente o conceito de interatividade, que no caso é a da própria arte. Na técnica também podemos perceber essa interatividade ao compor imagens, fotografias e cópias xérox.
Baseado no trabalho desse artista, proponha aos alunos que façam um trabalho de colagem de imagens de revistas, fotografias e cópias xérox coloridas por eles com tinta guache, lápis de cor, caneta hidrográfica, etc. Conduza a atividade de forma a levar ao aluno a associar todo o material que irá colar e realizar uma composição harmônica que tenha significado e não um apanhado de imagens coladas aleatoriamente.
Depois dos trabalhos prontos, combine com a turma uma mostra no espaço cultural da escola.