O CÓDIGO SECRETO
René Goscinny
Vocês já imaginaram que falar com os colegas na classe é muito difícil e toda hora ficam atrapalhando a gente? É claro que dá para falar com o colega que está sentado ao lado; mas mesmo que a gente tente falar baixinho, a professora escuta e diz: “Já que você está com tanta vontade de falar, venha até o quadro, vamos ver se você continua tão tagarela!” Ela faz perguntas e isso complica tudo. Também dá para mandar papeizinhos onde a gente escreve o que tem vontade de dizer; mas aí também a professora quase sempre vê o papel passar e manda a gente levar na mesa dela, e depois leva para o diretor. Como estava escrito “O Rufino é burro, passe” ou “O Eudes é feio, passe”, o diretor diz que isso vai deixar muito tristes os seus pais, que se matam para você ser bem educado e deixa a gente de castigo depois da aula!
Foi por isso que no primeiro recreio de hoje de manhã nós achamos incrível a ideia do Godofredo.
-Inventei um código formidável – o Godofredo disse. – É um código secreto que só a gente da turma vai entender.
Ele mostrou para nós: para cada letra a gente faz um gesto. Por exemplo: o dedo no nariz é a letra “a”, o dedo no olho esquerdo é o “b”. Tem gestos diferentes para todas as letras: a gente coça a orelha, esfrega o queixo, dá tapas na testa, e assim até “z”, quando a gente fica vesgo. Fantástico!
O Clotário não estava concordando muito; ele disse que para ele o alfabeto já era um código secreto e que, em vez de aprender ortografia para conversar com os colegas, ele preferia esperar a hora do recreio para dizer o que ele queria. O Agnaldo, é claro, não quer nem saber do nosso código secreto. Como ele é o primeiro e o queridinho da professora, ele prefere ficar escutando a professora na classe e ser interrogado. O Agnaldo é doido!
Mas todos os outros, nós achamos muito legal o código. E, além disso, um código secreto é muito útil. Quando a gente está brigando com inimigos, a gente pode se dizer uma porção de coisas, e eles não compreendem nada e quem ganha somos nós.
Então nós pedimos para o Godofredo ensinar para a gente o código dele. Nós ficamos todos em volta do Godofredo e ele disse pra gente fazer que nem ele. Ele tocou o nariz como dedo e nós todos tocamos os nossos narizes como dedo; ele pôs o dedo no olho e nós todos pusemos o dedo no olho. Foi quando nós todos estávamos fazendo que nem vesgos que o Sr. Moscadassopa, o novo inspetor de alunos, chegou.
-Escutem – ele disse. – Não perguntar o que vocês estão tramando com essas suas caretas. Eu só vou dizer que se vocês continuarem eu deixo todos de castigo na folga de quinta-feira à tarde. Entenderam?
E ele foi embora.
Tocou o sinal de fim do recreio. Ficamos em fila e o Godofredo disse:
-Na classe, eu vou mandar uma mensagem para vocês, e no próximo recreio a gente vê quem entendeu. Já vou avisando, para fazer parte da turma tem que conhecer o código secreto!
-Ah, tá bom – o Clotário falou – então o senhor decidiu que se eu não conheço o seu código não sirvo para nada, não faço mais parte da turma! Tá bom!
Na classe, a professora mandou a gente tirar os cadernos e copiar os problemas que ela ia escrever no quadro, para a gente fazer em casa. (...) Depois, enquanto a professora escrevia no quadro, todo o mundo se virou para o Godofredo e ficamos esperando ele começar a mensagem. Então o Godofredo começou a fazer gestos. Não era mesmo muito fácil de entender, porque ele fazia muito rápido e depois ele parava para escrever no caderno. Como a gente estava olhando para ele, ele começava a fazer gestos e ele ficava muito engraçado pondo os dedos nas orelhas e dando tapas na testa.
A mensagem do Godofredo estava comprida demais e era muito chato porque nós não podíamos copiar os problemas. A gente tinha medo de perder as letras da mensagem e de não entender mais nada e então a gente tinha que ficar olhando o tempo todo para o Godofredo que senta atrás, no fundo da sala. Depois o Godofredo fez “i” coçando a cabeça, “t” mostrando a língua, arregalou os olhos e parou. Todo mundo se virou e viu que a professora não estava mais escrevendo e estava olhando para o Godofredo.
-Pois é, Godofredo – a professora falou. – Eu estou como os seus colegas, vendo você a fazer as suas micagens. Mas já durou tempo demais, não é? Agora, você vai para o canto de castigo e não vai sair para o recreio, e para amanhã vai escrever 100 vezes “Não devo bancar o palhaço na aula e distrair a atenção de meus colegas, impedindo-os de trabalhar”.
Nos não tínhamos entendido nada da mensagem. Então, na saída, a gente esperou o Godofredo, e quando ele chegou, nós vimos que ele estava louco da vida.
-O que é que você estava dizendo na aula? – eu perguntei.
-Não enche! – o Godofredo gritou. – E depois, o código secreto acabou! Aliás, eu não falo mais com vocês, tá?
Foi no dia seguinte que o Godofredo nos explicou a mensagem. Ele tinha dito: “Não fiquem me olhando desse jeito senão a professora vai me pegar.”
(Fonte: Revista Ciência Hoje das Crianças – ano 18 – nº 154 – janeiro/fevereiro de 2005. Adaptação.)
Em sua opinião, o Godofredo tinha razão em ficar bravo com os colegas? Explique seu ponto de vista.