(UFRGS) André Devinne procura cultivar a ingenuidade – uma defesa contra tudo 1o que 2não entende. 3Pressente: há alguma coisa irresolvida que 4está em parte alguma, mas os nervos sentem- Quem sabe seja uma espécie de vergonha. Quem sabe o medo enigmático dos quarenta anos. Certamente não é a angústia de se ver lavando o carro numa tarde de sábado5, um homem de sua posição. É até com delicadeza que se entrega ao sol das três da tarde, agachado, sem camisa, esfregando o pano sujo no pneu, num ritual disfarçado em que evita formular seu tranquilo desespero. Assim: ele está numa guerra, mas por acaso6; de onde está, submerso na ingenuidade, 7à qual 8se agarra sem saber, não consegue ver o inimigo. 9Talvez não haja nenhum.
10– Filha, não fique aí no sol sem camisa.
A menina recuou até a sombra. Agachou-se, olhos negros no pai.
11– Você vai pra praia hoje?
André Devinne contemplou o pneu lavado: um bom trabalho.
12– Não sei. Falou com a mãe?
– Ela está pintando.
A filha tem o mesmo olhar da mãe, 13quando Laura, da janela do ateliê, observa o mar da Barra, transformando aquela estreita faixa de azul acima da Lagoa, numa outra faixa, de outra cor, mas igualmente suave, na tela em branco. Um olhar que investiga sem ferir – que parece, de fato, ver o que está lá.
Devinne espreguiçou-se esticando as pernas14. Largou o pano imundo no balde, sentou-se e olhou o céu, o horizonte, as duas faixas de mar, o azul da Lagoa, vivendo momentaneamente o prazer de proprietário. Lembrou-se da lição de inglês – It’s a nice day, isn’t it? – e tentou de imediato, mas era tarde: o corpo inteiro se povoou de lembrança e ansiedade, exigindo explicações. Estava indo bem, a professora era uma mulher competente, agradável, independente. Talvez justo por isso, ele tenha cometido aquela estupidez. Sem pensar, voltou a cabeça e acenou para Laura, que do janelão do ateliê respondeu- com um gesto. A filha insistiu:
– Pai, você vai pra praia?
Mudar todos os assuntos.
– Julinha, o que é, o que é? Vive casando 15e está sempre solteiro?
Ela riu.
– Ah, pai. Essa é fácil. O padre!
TEZZA, C. O fantasma da infância. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2007. p. 9-10.
Considere as seguintes afirmações sobre propostas de alteração de frases do texto.
I. Se não entende (ref. 2) fosse substituído por desconfia, seria necessário substituir o que (ref. 1) por que.
II. Se está (ref. 4) fosse substituído por ele não localiza, nenhuma outra alteração seria necessária à frase.
III. Se se agarra (ref. 8) fosse substituído por ele se protege, seria necessário substituir à qual (ref. 7) por com a qual.
Sem considerar alterações de sentido, quais afirmações mantêm a correção da frase?