Texto para a questão. O Começo A minha última lembrança da nossa partida de Riga, na Letônia, onde vivi dos dois até os dez anos, para um exílio voluntário, mas supostamente temporário, da minha família para o misterioso e longínquo Brasil, é a cena da estação ferroviária coalhada de gente que viera se despedir de nós quatro: minha mãe e seus três filhotes — eu, a mais velha, e meus dois irmãos menores. (Papai já estava lá, à nossa espera, pois viajara alguns meses antes, para “preparar o terreno”.) Na plataforma se acotovelavam os avôs e avós, tios e tias, primos e primas, adultos e crianças, e muitos amigos — um bota-fora agitado, mas não alegre. Lembro-me em especial do meu primo Márik, um ano mais velho do que eu, que me abraçou, chorando e dizendo: “Tánia, não se case lá, quando eu crescer eu vou te buscar...”. Mal sabíamos que aquela era a última vez que nos víamos — no futuro, seríamos para sempre separados pela Segunda Grande Guerra, pelo terrível e assassino nazismo e... Mas não quero falar disso agora. O que eu quero é contar alguns momentos da minha — agora já bem longa — vida no Brasil, onde aportamos, a bordo de um transatlântico, em fins de 1929. E nos fixamos na minha amada cidade de São Paulo, que eu adotei e que me adotou, após três anos de “choque cultural”, na rua Jaguaribe, no populoso bairro de Santa Cecília. Não foi fácil para os meus pais — embora minha mãe, cirurgiã-dentista formada em 1914, logo começasse a trabalhar na sua profissão e meu pai, poliglota, logo dominasse o português, falado e escrito. Mas para nós crianças a adaptação à nova vida, na nova rua, com outra língua — tão diferente do russo e do alemão que falávamos —, outro clima, outros costumes, outro tudo foi muito difícil; aquele primeiro período foi uma verdadeira pororoca. Um torvelinho de sensações, impressões e problemas — e também deslumbramentos de toda espécie. Era tudo muito perturbador, sendo que talvez a maior das provações fosse o conflito “cultural” com os meninos daquela rua, moleques terríveis que nos hostilizavam por sermos estrangeiros e nos agrediam, verbal e fisicamente, a toda hora, naqueles três anos tão difíceis... Tatiana Belinky. 17 é Tov. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2015. Vocabulário
exílio: saída (forçada ou voluntária) do próprio país.
torvelinho: redemoinho.
provação: sofrimento, angústia, dificuldade.
hostilizavam: agrediam, ofendiam.
Releia o trecho.
“‘Tánia, não se case lá, quando eu crescer eu vou te buscar...’”
Nesse trecho, as aspas servem para indicar