O senhor das moscas
O menino louro deixou-se escorregar ao pé da rocha e avançou rumo à lagoa. Havia tirado o suéter da escola e o carregava agora na mão, mas a camisa cinza estava colada no seu corpo e os cabelos aderiam à sua testa. Em torno dele, um banho de calor: a ampla cicatriz aberta na selva. Avançou com dificuldade por entre trepadeiras e troncos quebrados. Foi quando um pássaro, uma visão de vermelho e amarelo, faiscou, subindo, com um grito de bruxo. Grito que foi ecoado por outro:
— Ei! – dizia, — espere um pouco!
Os arbustos rasteiros se agitaram, ao lado da escarpa; caiu uma multidão de gotas de chuva, tamborilantes.
— Espere um pouco – a voz repetiu. — Fiquei preso. O menino louro parou e puxou as meias com um gesto automático, e a selva, por um instante, fez-se um lugar muito familiar.
A voz falou de novo.
— Mal posso me mexer com essas trepadeiras.
O dono da voz apareceu, retrocedendo por entre os arbustos, deixando os espinhos riscarem um blusão sujo. As rótulas gorduchas dos joelhos também estavam espetadas por espinhos. Ele se abaixou, tirou cuidadosamente os espinhos e se virou. Era mais baixo que o menino louro e muito gordo. Avançou, procurando pôr os pés em lugar seguro e, então, deu uma olhada pelos óculos grossos.
— Onde está o homem do megafone?
O menino louro balançou a cabeça.
— Isto é uma ilha. Pelo menos, acho que é. Há recifes no mar. Talvez não haja nenhum adulto aqui.
O menino gordo parecia espantado.
— Mas havia aquele piloto. E ele não estava na cabina de passageiros, ficou lá na frente.
O menino louro, apertando os olhos, examinava o recife. — Todos aqueles meninos – continuou o gordinho, — entre eles deve haver alguns que escaparam. Deve mesmo, não é?
O menino louro começou a andar do modo mais casual possível, rumo à água. Tentava agir normalmente e não parecer desinteressado demais, mas já o menino gordo corria atrás dele.
— Não há nenhum adulto aqui?
— Acho que não.
GOLDING, William. O senhor das moscas. Trad. Geraldo Galvão Ferraz. Rio de Janeiro: O Globo; São Paulo: Folha de S.Paulo, 2003. p. 9. Fragmento.
Esse fragmento é a cena inicial de um livro. O narrador não dá nenhuma explicação, deixando ao leitor a tarefa de deduzir os acontecimentos anteriores.
Pode-se afirmar que os dois meninos: