TEXTO I
Outrora uma novela romântica, em lugar de estudar o homem, inventava-o. Hoje o romance estuda-o na sua realidade social.
Outrora no drama, no romance, concebia-se o jogo das paixões a priori; hoje analisa-se a posteriori, por processos tão exatos como os da própria fisiologia. Desde que se descobriu que a lei que rege os corpos brutos é a mesma que rege os seres vivos, que a constituição intrínseca de uma pedra obedeceu às mesmas leis que a constituição do espírito duma donzela, que há no mundo uma fenomenalidade única, que a lei que rege os movimentos dos mundos não difere da lei que rege as paixões humanas, o romance, em lugar de imaginar, tinha simplesmente de observar. O verdadeiro autor do naturalismo não é, pois, Zola – é Claude Bernard*. A arte tornou-se o estudo dos fenômenos vivos e não a idealização das imaginações inatas...
QUEIRÓS, E. de. Idealismo e Realismo. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br. Acesso em: 14 mar. 2021.
* Claude Bernard (1813-1878) foi importante médico e fisiologista francês.
TEXTO II
Tinham passado três anos quando [Luísa] conheceu Jorge. Ao princípio não lhe agradou. Não gostava dos homens barbados; depois percebeu que era a primeira barba, fina, rente, muito macia decerto; começou a admirar os seus olhos, a sua frescura. E sem o amar, sentia ao pé dele como uma fraqueza, uma dependência e uma quebreira, uma vontade de adormecer encostada ao seu ombro, e de ficar assim muitos anos, confortável, sem receio de nada. Que sensação quando ele lhe disse: Vamos casar, hem! Viu de repente o rosto barbado, com os olhos muito luzidios, sobre o mesmo travesseiro, ao pé do seu! Fez-se escarlate. Jorge tinha-lhe tomado a mão; ela sentia o calor daquela palma larga penetrá-la, tomar posse dela; disse que sim; ficou como idiota, e sentia debaixo do vestido de merino dilatarem-se docemente os seus seios. Estava noiva, enfim! Que alegria, que descanso para a mamã!
QUEIRÓS, E. de. O primo Basílio. São Paulo: Penguin, 2015.
No Texto I apresenta-se a mudança de postura do escritor, que opta pela observação da realidade em detrimento da idealização fantasiosa do Romantismo. Considerando-se a reação da personagem Luísa, no Texto II, essa observância revela