(UCS)
A Reforma da Natureza
Quando 2a guerra da Europa terminou, os ditadores, reis e presidentes cuidaram da 11discussão da paz. Reuniram-se num campo aberto, 3sob uma grande barraca de pano, porque já não havia cidades: todas haviam sido arrasadas pelos 4bombardeios aéreos. E puseram-se a discutir, mas por mais que discutissem não saía paz nenhuma. Parecia a continuação da guerra, com palavrões em vez de granadas e 1perdigotos em vez de balas de fuzil.
Foi então que o Rei Carol da Romênia se levantou e disse:
– Meus senhores, a paz não sai porque somos todos aqui representantes de países e cada um de nós 5puxa a brasa para a sua sardinha. Ora, 6a brasa é uma só e as sardinhas são muitas. Ainda que discutamos durante um século, 12não haverá acordo possível. O meio de arrumarmos a situação é convidarmos para esta conferência alguns representantes da humanidade. Só essas criaturas poderão propor uma paz que, satisfazendo toda a humanidade, também satisfaça aos povos, porque a humanidade é um todo do qual os povos são as partes. Ou melhor: a humanidade é uma laranja da qual os povos são os gomos.
Essas palavras profundamente sábias muito impressionaram aqueles homens. Mas onde encontrar criaturas que representassem a humanidade e não viessem com as mesquinharias das que só representam povos, isto é, gomos da humanidade?
O 7Rei Carol, depois de cochichar com o 8General de Gaulle, prosseguiu no seu discurso.
– Só conheço – disse ele – duas criaturas em condições de representar a humanidade, porque são as mais humanas do mundo e também são grandes estadistas. A pequena república que elas governam sempre nadou na maior felicidade.
9Mussolini, enciumado, levantou o queixo.
– Quem são essas maravilhas!
– Dona Benta e tia Nastácia – respondeu o Rei Carol – as duas respeitáveis matronas que governam o Sítio do Picapau Amarelo, lá na América do Sul. Proponho que a Conferência mande buscar as duas maravilhas para que nos ensinem o 13segredo de bem governar os povos.
– Muito bem! – aprovou o 10Duque de Windsor, que era o representante dos ingleses. A Duquesa me leu a história desse maravilhoso pequeno país, um verdadeiro paraíso na terra, e também estou convencido de que unicamente pelo meio da sabedoria de Dona Benta e do bom senso de tia Nastácia o mundo poderá ser consertado. No dia em que o planeta ficar inteirinho como é o sítio, não só teremos paz eterna como a mais perfeita felicidade.
Os grandes ditadores e os outros chefes da Europa nada sabiam do sítio. Admiraram se daquelas palavras e pediram informações. O Duque de Windsor começou a contar, desde o começo, as famosas brincadeiras de Narizinho, Pedrinho e Emília no Picapau Amarelo. [...]
Eis explicada a razão do convite a Dona Benta, tia Nastácia e o Visconde de Sabugosa para irem representar a Humanidade e o Bom Senso na Conferência da Paz de 1945.
LOBATO, Monteiro. Obra infantil completa. Vol. 10 – A chave do tamanho; A reforma da natureza. São Paulo: Brasiliense, 1991. p. 1185-6. Adaptado)
1. Perdigoto é “uma gota de saliva” (Dicionário Aulete. Disponível em . Acesso em 10 out. 2013.)
A Europa sofreu com várias guerras. Pode-se identificar que a guerra da Europa (ref. 2) de que trata o texto é a: