Saparalha
-Ô calorão, Primo!... E que dor de cabeça excomungada!
-É um instantinho e passa... É só ter paciência....
-É... passa... passa... passa... Passam umas mulheres vestidas de cor de água, sem olhos na cara, para não terem de olhar a gente... Só ela é que não passa, Primo Argemiro!... E eu já estou cansado de procurar, no meio das outras... Não vem!... Foi, rio abaixo, com o outro... Foram p’r’os infernos!...
-Não foi, Primo Ribeiro. Não foram pelo rio... Foi trem de ferro que levou...
-Não foi no rio, eu sei... No rio ninguém não anda... Só a maleita é quem sobe e desce, olhando seus mosquitinhos e pondo neles a benção... Mas, na estória. Como é mesmo a estória, Primo? Como é?...
-O senhor bem que sabe, Primo... Tem paciência, que não é bom variar...
-Mas, a estória, Primo!... Como é?... Conta outra vez...
-O senhor já sabe as palavras todas de cabeça... “Foi o moço bonito que apareceu, vestido com roupa de dia de domingo e com a viola enfeitada de fitas... E chamou a moça p’ra ir se fugir com ele”...
-Espera, Primo, elas estão passando... Vão umas atrás das outras... Cada qual mais bonita... Mas eu não quero, nenhuma!... Quero só ela... Luísa...
-Prima Luísa...
-Espera um pouco, deixa ver se eu vejo... Me ajuda, Primo! Me ajuda a ver...
-Não é nada, Primo Ribeiro... Deixa disso!
-Não é mesmo não...
-Pois então?!
-Conta o resto da estória!...
-...“Então, a moça, que não sabia que o moço bonito era o capeta, ajuntou suas roupinhas melhores numa trouxa, e foi com ele na canoa, descendo o rio. ”
Guimarães Rosa, Sagarana.
(FUVEST 2018 1ª FASE) A novela Sarapalha apresenta uma estória dentro de outra, por meio da qual a personagem masculina da narrativa principal (Primo Argemiro) alude a uma mulher da narrativa secundária (a moça levada pelo capeta). O mesmo procedimento ocorre em