Menina
A máquina de costura avançava decidida sobre o pano. Que bonita que a mãe era, com os alfinetes na boca. Gostava de olhá-la calada, estudando seus gestos, enquanto recortava retalhos de pano com a tesoura. Interrompia às vezes seu trabalho, era quando a mãe precisava da tesoura. Admirava o jeito decidido da mãe ao cortar pano, não hesitava nunca, nem errava. A mãe sabia tanto! Tita chamava-a de ( ) como quem diz ( ). Tentava não pensar as palavras, mas sabia que na mesma hora da tentativa tinha-as pensado. Oh, tudo era tão difícil. A mãe saberia o que ela queria perguntar-lhe intensamente agora quase com fome depressa depressa antes de morrer, tanto que não se conteve e – Mamãe, o que é desquitada? – atirou rápida com uma voz sem timbre. Tudo ficou suspenso, se alguém gritasse o mundo acabava ou Deus aparecia – sentia Ana Lúcia. Era muito forte aquele instante, forte demais para uma menina, a mãe parada com a tesoura no ar, tudo sem solução podendo desabar a qualquer pensamento, a máquina avançando desgovernada sobre o vestido de seda brilhante espalhando luz luz luz.
ÂNGELO. I. Menina. In: A face horrível. São Paulo: Lazuli, 2017.
Escrita na década de 1960, a narrativa põe em evidência uma dramaticidade centrada na