[1] O que torna a tortura atraente é o fato de ela
funcionar. O preso não quer falar, apanha e fala. É sobre essa
simples constatação que se edifica a complexa justificativa
[4] da tortura pela funcionalidade. O que há de terrível nela é a
sua verdade. O que há de perverso nessa verdade é o sistema
lógico que nela se apoia valendo-se da compreensão, em um
[7] juízo aparentemente neutro, do conflito entre dois mundos:
o do torturador e o de sua vítima.
O poder absoluto que o torturador tem de infligir
[10] sofrimento à sua vítima transforma-se em elemento de
controle sobre o seu corpo. No meio da selva amazônica,
espancando um caboclo analfabeto que pedia ajuda divina
[13] para sustar os padecimentos, um torturador resumiria sua
onipotência embutida: “Que Deus que nada, porque Deus
aqui é nós mesmo”. A mente insubmissa torna-se vítima de
[16] sua carcaça, que é, a um só tempo, repasto do sofrimento e
presa do inimigo. A dor destrói o mundo do torturado, ao
mesmo tempo que lhe mostra outro, o do torturador, no qual
[19] não há sofrimento, mas o poder de criá-lo. Quando a vítima
se submete, conclui-se um processo em que a confissão é um
aspecto irrelevante. O preso, na sala de suplícios, troca seu
[22] mundo pelo do torturador.
Elio Gaspari. A ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 37-41 (com adaptações).
A partir dessas informações, julgue o item.
Para que o tema da tortura seja explorada em peças teatrais, é necessário se estabelecer um rígido esquema em que bem e mal estejam claramente diferenciados, e também a noção de justiça deve ser predefinida.