Explicaê

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Texto 1

 

O texto I é um excerto de Baú de Ossos (volume 1), do médico e escritor mineiro Pedro Nava. Inclui-se essa obra no gênero memorialístico, que é predominantemente narrativo. Nesse gênero, são contados episódios verídicos ou baseadas em fatos reais, que ficaram na memória do autor. Isso o distingue da biografia, que se propõe contar a história de uma pessoa específica. 

 

[1]   O meu amigo Rodrigo Melo Franco de  

Andrade é autor do conto “Quando minha avó  

morreu”. Sei por ele que é uma história  

autobiográfica. Aí Rodrigo confessa ter passado,  

[5] aos 11 anos, por fase da vida em que se sentia  

profundamente corrupto. Violava as promessas  

feitas de noite a Nossa Senhora; mentia  

desabridamente; faltava às aulas para tomar  

banho no rio e pescar na Barroca com  

[10] companheiros vadios; furtava pratinhas de dois  

mil-réis... Ai! de mim que mais cedo que o  

amigo também abracei a senda do crime e  

enveredei pela do furto... Amante das artes  

plásticas desde cedo, educado no culto do belo,  

[15] eu não pude me conter. Eram duas coleções de  

postais pertencentes a minha prima Maria Luísa  

Palleta. Numa, toda a vida de Paulo e Virgínia – 

do idílio infantil ao navio desmantelado na  

procela. Pobre Virgínia, dos cabelos  

[20] esvoaçantes! Noutra, a de Joana d’Arc, desde os  

tempos de pastora e das vozes ao da morte.  

Pobre Joana dos cabelos em chama! Não resisti.  

Furtei, escondi e depois de longos êxtases, com  

medo, joguei tudo fora. Terceiro roubo, terceira  

[25] coleção de postais – a que um carcamano,  

chamado Adriano Merlo, escrevia a uma de  

minhas tias. Os cartões eram fabulosos. Novas  

contemplações solitárias e piquei tudo de latrina  

abaixo. Mas o mais grave foi o roubo de uma 

[30] nota de cinco mil-réis, do patrimônio da própria  

Inhá Luísa. De posse dessa fortuna nababesca,  

comprei um livro e uma lâmpada elétrica de  

tamanho desmedido. Fui para o parque Halfeld  

com o butim de minha pirataria. Joguei o troco  

[35] num bueiro. Como ainda não soubesse ler,  

rasguei o livro e atirei seus restos em um  

tanque. A lâmpada, enorme, esfregada, não fez  

aparecer nenhum gênio. Fui me desfazer de  

mais esse cadáver na escada da Igreja de São  

[40] Sebastião. Lá a estourei, tendo a impressão de  

ouvir os trovões e o morro do Imperador  

desabando nas minhas costas. Depois dessa  

série de atos gratuitos e delitos inúteis, voltei  

para casa. Raskólnikov. O mais estranho é que  

[45] houve crime, e não castigo. Crime perfeito.  

Ninguém desconfiou. Minha avó não deu por  

falta de sua cédula. Eu fiquei por conta das  

Fúrias de um remorso, que me perseguiu toda a  

infância, veio comigo pela vida afora, com a  

[50] terrível impressão de que eu poderia reincidir  

porque vocês sabem, cesteiro que faz um  

cesto... Só me tranquilizei anos depois, já  

médico, quando li num livro de Psicologia que só  

se deve considerar roubo o que a criança faz  

[55] com proveito e dolo. O furto inútil é fisiológico e  

psicologicamente normal. Graças a Deus! Fiquei  

absolvido do meu ato gratuito... 

(Pedro Nava. Baú de ossos. Memórias 1. p. 308 a 310.)

 

“Lá a estourei, tendo a impressão de ouvir os trovões e o morro do Imperador desabando nas minhas costas” (linhas 40-42). Essa cena, fruto da impressão do menino, tem um significado textual. Ela indicia a confusão em que está a cabeça do menino. Os trovões e o desabamento do morro representam, respectivamente,

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