Explicaê

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Um poema de Vinicius de Moraes

A flutuação do gosto em relação aos poetas é normal, como é normal a sucessão dos modos

de fazer poesia. Pelo visto, Vinicius de Moraes anda em baixa acentuada. Talvez o seu prestígio

tenha diminuído porque se tornou cantor e compositor, levando a opinião a considerá-lo mais

letrista do que poeta. Mas deve ter sido também porque encarnou um tipo de poesia oposto a

[5] certas modalidades para as quais cada palavra tende a ser objeto autônomo, portador de maneira

isolada (ou quase) do significado poético.

 

Na história da literatura brasileira ele é um poeta de continuidades, não de rupturas; e o nosso

é um tempo que tende à ruptura, ao triunfo do ritmo e mesmo do ruído sobre a melodia, assim

como tende a suprimir as manifestações da afetividade. Ora, Vinicius é melodioso e não tem medo

[10] de manifestar sentimentos, com uma naturalidade que deve desgostar as poéticas de choque.

Por vezes, ele chega mesmo a cometer o pecado maior para o nosso tempo: o sentimentalismo.

Isso lhe permitiu dar estatuto de poesia a coisas, sentimentos e palavras extraídos do mais singelo

cotidiano, do coloquial mais familiar e até piegas, de maneira a parecer muitas vezes um seresteiro

milagrosamente transformado em poeta maior. João Cabral disse mais de uma vez que sua própria

[15] poesia remava contra a maré da tradição lírica de língua portuguesa. Vinicius seria, ao contrário,

alguém integrado no fluxo da sua corrente, porque se dispôs a atualizar a tradição. Isso foi possível

devido à maestria com que dominou o verso, jogando com todas as suas possibilidades.

 

Ele consegue ser moderno usando metrificação e cultivando a melodia, com uma imaginação

renovadora e uma liberdade que quebram as convenções e conseguem preservar os valores

[20] coloquiais. Rigoroso como Olavo Bilac, fluido como o Manuel Bandeira dos versos regulares, terra

a terra como os poemas conversados de Mário de Andrade, esse mestre do soneto e da crônica

é um raro malabarista.

ANTONIO CANDIDO

Adaptado de Teoria e debate, nº 49. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, out-dez, 2001.

A articulação do primeiro com o segundo parágrafo revela o seguinte eixo principal da argumentação do crítico:

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