Explicaê

01

O CONTO A SEGUIR FOI RETIRADO DO LIVRO HORA DE ALIMENTAR SERPENTES, DE MARINA COLASANTI.

 

PESCANDO NA MARGEM DO RIO

 

Era um homem muito velho, que cada manhã acordava certo de que aquela seria a última. E porque

seria a última, pegava o caniço, a latinha de iscas, e ia pescar na beira do rio. As poucas pessoas

que ainda se ocupavam dele reclamaram, a princípio. Que aquilo era perigoso, que ficava muito só,

que poderia ter um mal súbito. Depois, considerando que um mal súbito seria solução para vários

[5] problemas, deixaram que fosse, e logo deixaram de reparar quando ia. O velho entrou, assim, na

categoria dos ausentes.

Ausente para os outros, continuava docemente presente para si mesmo.

Ia ao rio com a alma fresca como a manhã. Demorava um pouco a chegar porque seus passos eram

lentos, mas, não tendo pressa alguma, o caminho lhe era só prazer. Não havia nada ali que não

[10] conhecesse, as pedras, as poças, as árvores, e até o sapo que saltava na poça e as aves que cantavam

nos galhos, tudo lhe era familiar. E embora a natureza não se curvasse para cumprimentá-lo, sabia-se

bem-vindo.

O dia escorria mais lento que a água. Quando algum peixe tinha a delicadeza de morder o seu

anzol, ele o limpava ali mesmo, cuidadoso, e o assava sobre um fogo de gravetos. Quando nenhuma

[15] presença esticava a linha do caniço, comia o pão que havia trazido, molhado no rio para não ferir

as gengivas desguarnecidas.

À noite, em casa, ninguém lhe perguntava como havia sido o seu dia.

Fazia-se mais fraco, porém.

E chegou a manhã em que, debruçando-se sobre a água antes mesmo de prender a isca na barbela

[20] afiada, viu faiscar um brilho novo. Apertou as pálpebras para ver melhor, não era um peixe. Movido

pela correnteza, um anzol bem maior do que o seu agitava-se, sem isca. Por mais que se esforçasse,

não conseguiu ver a linha, enxergava cada vez menos. Nem havia qualquer pescador por perto.

O velho não descalçou as sandálias, as pedras da margem eram ásperas.

Entrou na água devagar, evitando escorregar. Não chegou a perceber o frio, o tempo das percepções

havia acabado. Alongou-se na água, mordeu o anzol que havia vindo por ele, e deixou-se levar.

O conto inteiro pode ser compreendido como um eufemismo, que procura atenuar o sentido do seguinte tema abordado na narrativa:

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