Explicaê

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 Lugares de memória: para não esquecer

Imagem

"Mercado de escravos" (c. 1821), de Debret.

 

O Cais do Valongo, principal porto de entrada de escravizados das Américas, recebeu em 2017

o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Unesco. A distinção define o Valongo,

localizado na região portuária do Rio de Janeiro, como um “lugar de memória”, ao lado de outros,

como o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, ou a cidade de Hiroshima, no Japão.

[5]  Inaugurado em 1811, o cais logo se converteu no principal ponto de desembarque de africanos

escravizados das três Américas. Localizado a poucos passos do Palácio Real, não era raro aos

monarcas brasileiros ver os africanos, apressadamente desembarcados, sendo separados de suas

famílias, limpos, vestidos, pesados, tendo seus corpos marcados a ferro.


Começava, então, uma nova viagem. Dessa vez, rumo à tentativa de desterritorialização e de

[10] invisibilização dos africanos, de quem se procurava apagar a memória, qualquer laivo de identidade

e orgulho que carregavam de suas nações. Vários viajantes passaram pelo Valongo e constataram

o triste espetáculo que se apresentava naquele mercado, dentre eles o artista Jean-Baptiste Debret

(1768-1848).


Em sua aquarela, aparecem os mesmos “esqueletos”

[15] descritos em texto. À direita, o comerciante gorducho

(cuja barriga simboliza a fartura) negocia com o

proprietário de terras, com seu chapelão e bengala, os

detalhes da venda do pequeno garoto postado à sua

frente. O artista francês fez questão de caprichar no vazio

[20] do ambiente, e nos africanos sem rosto, quase nus, que

apenas aguardam pelo destino nas Américas. Um desterro

forçado nos campos tropicais do Brasil.


Em 1911, o Cais do Valongo foi aterrado, da mesma maneira como se tentou esconder e esquecer

“os males e as lembranças dos tempos da escravidão”. Esse era o discurso civilizatório da Primeira

[25] República, que procurava jogar para o Império a conta da escravidão, cuja culpa é de todos nós.

“Redescoberto” 100 anos depois, o Cais do Valongo é hoje um sítio arqueológico que expõe na nossa

atualidade as perversões do sistema escravocrata, mas também testemunha a resistência dessas

populações. Trata-se do mais importante acervo de vestígios materiais e simbólicos localizado fora

da África, com quase 500 mil itens.


[30] A expressão “lugar de memória” foi criada pelo historiador francês Pierre Nora. Seu objetivo era

justamente evitar o desaparecimento dos registros históricos, como arquivos, monumentos, museus

e certos espaços específicos. Podem ser desde objetos materiais e concretos até vestígios imateriais

e orais. O importante, porém, é que eles só se convertem, efetivamente, em “lugares de memória”,

se a imaginação coletiva investi-los como lugares simbólicos.


[35] Conforme define Alberto da Costa e Silva: “O Brasil é um país extraordinariamente africanizado. E

só a quem não conhece a África pode escapar o quanto há de africano nos gestos, nas maneiras de

ser e de viver e no sentimento estético do brasileiro. Por sua vez, em toda a costa atlântica da África,

podem-se facilmente reconhecer os brasileirismos. O escravo ficou dentro de nós, qualquer que seja

nossa origem.”

LILIA MORITZ SCHWARCZ

Adaptado de nexojornal.com.br, 31/07/2017.

 

um “lugar de memória”, ao lado de outros, como o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, ou a cidade de Hiroshima, no Japão. (l. 3-4)

 

A comparação acima inclui o Cais do Valongo no conjunto de lugares de memória pelo reconhecimento do seguinte atributo comum:

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