Explicaê

01

CASA DE VÔ

Beatriz Vichessi   Todo avô toma remédio, usa dentadura e tira soneca depois do almoço. O meu, não.

Não toma pílula nem xarope. E, à tarde, fica acordado, brincando comigo. Dentadura? Isso ele usa. Mas, de resto, é diferente.

Minha avó também não é igual às outras. Enquanto toda avó borda e faz bolo de chocolate, ela só costura para fazer remendos nas roupas e só cozinha no fim de semana. E quase nunca está em casa. De calça comprida (enquanto todas as avós do mundo usam saia), sai cedinho para trabalhar e nos deixa sozinhos.

Daí, o guarda-roupa dela vira elevador. Basta eu entrar e me sentar nas caixas de sapatos para vovô encostar as portas e, como ascensorista, anunciar:

– Primeiro andar! Roupas e bonecas. Segundo andar! Balas de goma, móveis e crianças perdidas...

A parede da sala é transformada em galeria de arte com pinturas emolduradas em fita crepe e o tapete, em exposição de botões raros, que jamais combinariam com qualquer roupa normal.

Ao cair da tarde, na garagem vazia, enquanto o papagaio e os cachorros conversam misturando latidos, uivos e risadas, ele espalha alguns pedacinhos de papel pelo chão. É a brincadeira do Pisei.

– Hã? Como assim?, pergunto. Essa é nova.

Vovô explica sua invenção:

– Memorize onde estão os papéis. Feche os olhos e comece a caminhar. Tente pisar em cima deles. Pode ir perguntando: “Pisei?” para facilitar. Ganha o jogo quem pisar em mais pedaços.

Eu começo.

– Pisei?, pergunto, dando o primeiro passo, apertando os olhos.

– Não!

– Pisei?, insisto mais uma vez, depois de caminhar um tiquinho.

– Não!

Ouço um barulho de chaves, Vovó chega, cansada, do trabalho. Diz “oi”. Sei que é para mim, mas não posso abrir os olhos para responder. É quebra de regra.

– Tudo bem, vó? Quer brincar de Pisei?, convido.

– Agora não, minha riqueza. Vovó vai descansar.

Vovô continua a me guiar, já sentado na cadeira de praia, lendo o jornal. Não vi, mas escutei o barulho dela sendo armada e das folhas nas mãos dele.

Sigo.

– Pisei?

– Pisei?

E nada.

Sinto meus pés tropeçarem em algo. Abro os olhos. Vovô, a minha frente, de braços abertos, pronto para um abraço da vitória.

– Mas eu não pisei em nenhum papelzinho, vô, digo, meio desanimada, mas já engalfinhada e feliz, nos braços dele.

– O vento foi levando tudo para o cantinho do portão, ele explica, sorrindo.

– E por que o senhor não me avisou? A poderia ter colado os pedacinhos no chão e recomeçado...

– Porque eu queria que a brincadeira terminasse com você perto de mim.   REVISTA NOVA ESCOLA.


Enunciado:

Durante a brincadeira do Pisei, a criança sabia o que o avô estava fazendo. O que ela usava para ter essa informação?

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