Texto base: Leia a crônica de Luis Fernando Verissimo para responder à questão. A Novata Sandrinha nunca esqueceu o seu primeiro dia na redação. Os olhares que recebeu quando se encaminhou para a mesa do editor. De curiosidade. De superioridade. Ou apenas de indiferença. Do editor não recebeu olhar algum. — Quem é você? — ele perguntou, sem levantar a cabeça. Sandrinha se identificou. — Ah, a novata — disse ele. — Você deve ser das boas. Recém-formada e já botaram a trabalhar comigo. Você sabe o que a espera? — Bem, eu... — Esqueça tudo o que aprendeu na escola. Isto aqui é a linha de frente do jornalismo moderno. Aqui você tem que ter coragem. Garra. Instinto. Você acha que tem tudo isso? — Acho que sim. Ele a olhou pela primeira vez. Seu sorriso era cruel. — É o que veremos — disse. — já vi muita gente quebrar a cara aqui. Desistir e pedir transferência para a crônica policial. É preciso ter estômago. Você tem estômago? — Tenho. Ele gritou: — Dalva! Uma mulher aproximou-se da mesa. Tinha a cara de quem já viu tudo na vida e gostou de muito pouco. O editor perguntou: — Você já pegou o Rudi? — Estou indo agora. — Leve ela. Dalva olhou para Sandra como se tivesse acabado de tirá-la do nariz. Voltou a olhar para o editor. — Não sei, chefe. O Rudi... — Quero ver do que ela é feita. — Está bem. Antes de saírem, Dalva perguntou para Sandra: — Que equipamento você usa? Sandra mostrou o que tinha dentro da bolsa. Dalva mostrou o seu. — Certo. Vamos sincronizar gravadores. Testando. Um, dois, três... As duas aproximaram-se da porta do apartamento de Rudi. Antes de bater na porta, a veterana avisou: — Chegue para trás. De dentro do apartamento veio uma voz assustada. — Quem é? — Abra! A porta entreabriu-se. Rudi espiou para fora. Dalva empurrou a porta ao mesmo tempo que tirava o gravador da bolsa. Sandra a seguiu para dentro do apartamento. Rudi recuou. — Isto é invasão de privacidade! — gritou. — Quieto! Prepare-se para falar, Rudi. E lembre-se: tudo que você disser pode ser usado na edição de domingo. — Não vou dizer nada. Dalva forçou-o a sentar. O gravador já estava a milímetros da sua boca. — Ah, vai — disse Dalva. — Vai dizer tudo. Loção de barba! — Ahn... “Animal”, de Givenchy! — Cuecas justas ou tipo short? — Justas. — De que loja? — Não tenho uma loja favorita. — Pense melhor, Rudi. — Está bem. A “Papoulas”. — Sua cor favorita. — Verde. Não! Azul! — Vamos, Rudi. É verde ou é azul? — Azul, azul! — Quem você levaria para uma ilha deserta? — Não sei. Me deixem pensar. — “Pensar’”, Rudi? “Pensar”?! Você acha que está respondendo para o suplemento cultural? Vamos, quem você levaria para uma ilha deserta? Dalva registrou com surpresa que Sandrinha é que fizera a pergunta Rudi respondeu. — A minha mãe. Não. A Malu Mader. — Qual delas? — Não pode ser as duas? — Você sabe que não, Rudi. Estamos perdendo tempo. Quem? — A Malu Mader. — Pasta de dente. — Crest. — Seu livro de cabeceira. — Kalil Gibran. — Maior emoção. — Foi, foi... Quando minha cadela “Tutsi” teve filhotinhos. — Prato preferido? — Não sei. Não sei! — Sabe sim. — Picadinho de carne com ovo. — Sua filosofia. — Viver e deixar viver. — Se você não fosse você, quem gostaria de ser? — O... o... — Estamos esperando! — O Gerald Thomas ou o padre Marcelo Rossi! — Qual dos dois? — Fale! Agora Sandrinha também tinha seu microfone perto da boca de Rudi. — O padre Marcelo Rossi! Rudi começou a soluçar. Ás duas se olharam. Dalva permitiu-se um sorriso. — Você é boa, novata. Acho que vai se dar bem neste trabalho... — Obrigada. Mas Sandra não tinha terminado.— Não pense que acabou ainda, Rudi. Sabonete!VERISSIMO,
Luis Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
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Uma mulher aproximou-se da mesa. Tinha a cara de quem já viu tudo na vida e gostou de muito pouco.
Observe que o cronista usa uma oração para adjetivar a cara da mulher. O que Veríssimo quis dizer com “cara de quem já viu tudo na vida e gostou de muito pouco” e por que ele fez isso?