Furtei uma flor daquele jardim. O porteiro do edifício cochilava
e eu furtei a flor. Trouxe-a para casa e coloquei-a no copo com
água. Logo senti que ela não estava feliz. O copo destina-se a
beber, e flor não é para ser bebida.
Passei-a para o vaso, e notei que ela me agradecia, revelando
melhor sua delicada composição. Quantas novidades há numa
flor, se a contemplarmos bem. Sendo autor do furto, eu assumira
a obrigação de conservá-la. Renovei a água do vaso, mas a
flor empalidecia. Temi por sua vida. Não adiantava restituí-la ao
jardim. Nem apelar para o médico das flores. Eu a furtara, eu a
via morrer.
Já murcha, e com a cor particular da morte, peguei-a docemente
e fui depositá-la no jardim onde desabrochara. O porteiro estava
atento e repreendeu-me:
– Que ideia a sua, vir jogar lixo de sua casa neste jardim!
Furto de Flor – Carlos Drummond de Andrade
O humor nas crônicas está muitas vezes na quebra de
expectativa, o que acontece nessa crônica curtinha, pois