Leia o fragmento de um conto do escritor francês Téophile Gauthier para responder à questão.
— Cinco luíses pelo pé da princesa Hermonthis é pouco, muito pouco, na verdade. Trata-se de um pé autêntico — disse o vendedor balançando a cabeça e girando os olhos nas órbitas. — Vamos, leve-o, e ainda lhe dou a embalagem de presente — acrescentou, enrolando-o num velho pano adamascado —; muito bonito, damasco verdadeiro, damasco das Índias, que nunca foi tingido de novo, forte, macio — murmurava passeando os dedos pelo tecido puído, com um resquício de hábito comercial que o fazia elogiar um objeto de tão pouco valor que ele mesmo o considerava digno de ser dado.
Ele colocou as moedas de ouro numa espécie de bolsa medieval presa à cintura, repetindo:
— O pé da princesa Hermonthis para servir de peso de papel!
Depois, fixando em mim suas pupilas fosfóricas, disse numa voz estridente como o miado de um gato que acabou de engolir uma espinha:
— O velho faraó não ficará contente, ele amava a filha, o grande homem.
— O senhor fala como se fosse seu contemporâneo. Apesar de velho, o senhor não é do tempo da pirâmides do Egito — respondi-lhe rindo, da porta da loja.
Voltei para casa bastante satisfeito com minha aquisição. Para fazer bom uso dela imediatamente, coloquei o pé da divina princesa Hermonthis sobre uma pilha de papéis. Eram esboços de versos e um mosaico indecifrável de rasuras: artigos começados, cartas esquecidas e engavetadas, algo que acontece com frequência com os distraídos. O efeito era encantador, bizarro e romântico.
Satisfeitíssimo com aquele embelezamento, desci para a rua e fui passear com a gravidade apropriada e o orgulho de um homem que tem, sobre todas as pessoas por quem passa, a extraordinária vantagem de possuir um pedaço da princesa Hermonthis, filha do faraó.
GAUTHIER, Téophile. “O pé da múmia”. In: MONTARDRE, Hélène. Medo: Histórias de terror. Trad. Júlia da Rosa Simões.
São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 13
Assinale a alternativa correta.