TEXTO 4
A PAZ MUNDIAL
Minha tia Assunção entrou na classe às nove da manhã. Ela tomou fôlego e quase todos nós bocejamos, porque era muito cedo para aguentar um daqueles discursos dela. Nossa tia disse o seguinte:
- Este ano quero que nós preparemos o Carnaval como se fosse o último carnaval da nossa vida. Vamos nos apresentar no concurso de fantasias que vão fazer numa discoteca da cidade no sábado que vem. Vão se apresentar crianças das escolas do bairro e vocês vão ter de mostrar a todo mundo que são crianças como Deus manda e não os bagunceiros que parecem.
Nem a deixamos terminar, foi uma zoeira na classe que você nem imagina. O Yihad se levantou para dizer:
- Um aviso: vou me fantasiar de super homem e estou dizendo desde já para ninguém mais se fantasiar de super homem porque, nesta galáxia, super homem só tem um e esse um sou eu e não quero ser obrigado a quebrar a cara de ninguém. Repito: isso é um aviso.
Então o Orelhão disse:
- E do que é que vou me fantasiar, se só tenho fantasia de super homem e minha mãe não vai querer comprar outra?
E começou um eco na classe toda: “E eu... e eu... e eu...”, pois todos os meninos têm a mesma fantasia de super homem por todos os séculos dos séculos.
Minha tia Assunção disse que não ia ter nada de super homens, nem de homens aranhas, nem de Belas nem de Feras. Nós tínhamos de mostrar a nossa cidade, à Espanha, aos Estados Unidos e ao planeta Terra que éramos crianças boas, que lutávamos pela paz mundial e que ela tinha tido a ideia de fazer nós trinta, todos uns animais, nos vestirmos de pombas da paz.
Se tia Assunção não fosse nossa professora e nós não fôssemos um bando de covardes, teríamos dito em coro: “Qual é, jacaré?”
Então minha tia continuou:
- O jurado nos dará o primeiro prêmio, porque não há jurado na Espanha que resista a dar o primeiro prêmio a trinta crianças vestidas de pombas da paz. Além disso, ganharemos muitos presentes. Por um dia, seremos os símbolos da paz mundial (...).
Minha mãe e as mães das trinta crianças fizeram durante a semana os trajes de pomba com papel vegetal. Minha mãe se queixava muito, dizendo que minha tia vivia arranjando desculpa para ela ter de gastar dinheiro e trabalhar. Que não sabia como fazer fantasia de pomba e que quem estava precisando de paz era ela.(...)
Afinal, no dia C – C de Consurso e de Carnaval – minha mãe nos vestiu – eu e meu irmão – com nossas roupas de papel vegetal e nos disse para irmos para a escola. Encontramos a Luisa na escada e a Luisa nos disse:
- Nossa, sua mãe deve ter tido um trabalhão para vestir vocês de pinguins.
(...)
Quando chegamos à escola, ficamos alucinados: na porta estava Yihad vestido com umas penas, parecendo uma galinha; o Orelhão parecia um pavão, a Susana parecia um avestruz, o Paquito Medina, um pelicano, e assim até trinta e três. Não havia dois pássaros iguais. Bom, só eu e o meu irmão, aqueles pinguins lindos. Todos nós ficamos olhando uns para os outros e, muito chateados, fomos escoltados pela tia Assunção até a discoteca “Silicone”, onde estava se realizando o Festival. A tia Assunção não deixou por menos: também estava fantasiada e parecia uma pata ou uma gansa. Estava tão contente que nem parecia a tia Assunção. Disse que, quando fôssemos entrar no palco, ela ia dizer: “um, dois e três” e nós tínhamos de responder batendo as asas e gritando em coro, até arrebentar a garganta:
- Viva a paz mundial!
(...)
Já estávamos na discoteca. Nós trinta sentamos num canto. O apresentador era o diretor da creche “O Pimpolho”, que fica ao lado da minha casa. Subiam uns fantasiados de árvores. (...) Depois subiam os clássicos super heróis, uns meninos fantasiados de reality shows com facas nas costas, outros que iam de pão recheado de chocolate...
Nós fomos os quintos. (...) Não deu tempo de fazer o nosso número porque quando a tia disse “um, dois, três” ouviu-se a voz de um garotão de outro colégio:
- Yihad, como você fica bem vestido de galinha!
O Yihad se jogou do palco para tirar satisfação com o engraçadinho. Minha tia Assunção ficou sozinha no palco. A coitada chorava, fantasiada de pata. Parecia que aquele carnaval ia ser o pior das nossas vidas, mas você não vai acreditar no que aconteceu no final.
Uma vez que a briga se acalmou e o palco ficou vazio, foram lidos os prêmios indo do terceiro ao primeiro, para tornar aqueles momentos mais emocionantes. (...)
- E o primeiro prêmio... – o apresentador fez uma pausa para criar mais expectativa. Garanto que ele estava ouvindo o ranger de dentes dos expectadores ansiosos. – O primeiro prêmio foi concedido por unanimidade ao grupo “Os pássaros”, por sua defesa das espécies em extinção.
Bem se via que ninguém tinha ficado sabendo daquela história de paz mundial, então tivemos de admitir que éramos um grupo de pássaros em via de extinção. Nem sempre a gente é o que quer ser nesta vida.
(Fonte: LINDO, Elvira. Manolito. São Paulo, Martins Fontes, 1999. Revista Ciência Hoje das crianças, ano 16, n.132, jan, fev. 2003. - adaptação)
a) Qual foi a escolha da professora para as fantasias que sua turma apresentaria no concurso?
b) Por que ela fez essa escolha?
c) As crianças gostaram da ideia? Sublinhe no texto uma frase que confirme a sua resposta