Pois eu vejo tudo branco, Se calhar a mulherzinha tinha razão, pode ser coisa de nervos, os nervos são o diabo, Eu bem sei o que é, uma desgraça, sim, uma desgraça, Diga-me onde mora, por favor, ao mesmo tempo ouviu-se o arranque do motor. Balbuciando, como se a falta de visão lhe tivesse enfraquecido a memória, o cego deu uma direção, depois disse, Não sei como lhe hei-de agradecer, e o outro respondeu, Ora, não tem importância, hoje por si, amanhã por mim, não sabemos para o que estamos guardados, Tem razão, quem me diria, quando saí de casa esta manhã, que estava para me acontecer uma fatalidade como esta.
SARAMAGO, J. Ensaio sobre a cegueira. 6. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. [Fragmento]
O escritor português José Saramago é conhecido pelo seu estilo de escrita, evidenciado no trecho anterior de Ensaio sobre a cegueira, em que aplica um discurso