A Justiça Eleitoral foi criada em 1932, como parte de uma ampla reforma no processo eleitoral incentivada pela Revolução de 1930. Sua criação foi um grande avanço institucional, garantindo que as eleições tivessem o aval de um órgão teoricamente imune à influência dos mandatários.
TAYLOR, M. Justiça Eleitoral. In: AVRITZER, L.; ANASTASIA, F. Reforma política no Brasil.
Belo Horizonte: UFMG, 2006 (adaptado).
Em relação ao regime democrático no país, a instituição analisada teve o seguinte papel:
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- Língua Portuguesa | 1.05 Intertextualidade
QUERIDO ÉRICO
Lygia Fagundes Telles
[1] Érico Veríssimo, meu querido:
Tão prontamente aceitei o convite para
escrever uma página sobre você, com tanta
alegria fui dizendo sim que em seguida nem
[5] pude me lamentar pelo que paguei — pelo que
tenho pago sempre por essa minha face
arrebatada e fácil no sentido de não calcular.
Não prever os cipós nos quais acabo me
enrolando todas as vezes que saio do meu
[10] gênero e faço outra coisa que não seja
nitidamente a minha ficção. Fico insegura.
Gauche. E então? Medo de ser pedante. Medo
de ser sentimental. Aceitam os senhores da
Globo um conto com Érico na pele de
[15] personagem principal? – tive vontade de
perguntar.
Como descobrir a palavra exata, num
depoimento tão pessoal, sem tocar nas
detestáveis pontas que pareciam me aguardar
[20] com a implacabilidade do monstro de duas
cabeças desafiando o viajante na
encruzilhada? A cabeça da direita — a da
razão — soltando fogo e fumo pelas narinas, a
cabeça da esquerda — a do coração —
[25] soltando a mesma massa espessa de fumaça
e chamas, tão perigosas quanto as da sua
irmã gêmea. Nem possessa nem lúcida.
Sentei-me diante da folha em branco,
tirei do copo de pedra minha caneta Bic e
[30] fiquei olhando, através da transparência
plástica, a veia estática de tinta vermelha —
sangue do pensamento ainda não pensado. E
então? — perguntei-me ainda naquele estado
de perplexidade que me faz crepúsculo, nem
[35] dia nem noite, mas uma coisa ambígua à
espera do milagre de uma definição. A caneta
plena e eu oca. E essa ideia do conto? Hein?
Não serve um conto?...
Nem pedante nem sentimental, que ele
[40] não merece isso, repeti e fiquei sorrindo,
porque nesse instante senti que você sorriu
também. O sorriso foi se transformando num
riso lento e descontraído, sem nenhuma
ironia, apenas divertido. Rimos juntos
[45] enquanto tomei um café e acendi meu
cigarro: você tem razão, Érico, por que a
palavra exata? Lá sei por onde andará a
palavra exata, tão melhor usar nosso habitual
diálogo, testemunho de que não só a arte é
[50] diálogo, mas principalmente a amizade. E
como amizade também é memória, quero me
estender à margem do rio do Passado Mais
que Perfeito e ficar olhando a correnteza com
a mesma antiga voz e a mesma cor, em meio
[55] do alarido delirante do presente [...]. Sou raiz
que se apega e sou folha que se abandona
nessa evocação orientada apenas pela terna
vigilância de quem escreve a um amigo com a
espontaneidade de poder dizer lá no alto: meu
[60] querido.
Érico Veríssimo, meu querido, é manhã e
estamos no ano de 1943. [...] Concorri à vaga
da Academia de Letras da escola [...] e a
primeira coisa que me ocorreu fazer foi
[65] convidar você e Cecília Meireles para uma
conferência na nossa Academia. [...]
No dia da sua chegada, não pudemos
sequer ir buscá-lo no aeroporto. [...] Não,
ninguém tinha carro nem nada, os
[70] motorizados da Faculdade não liam.
Sugeri que lhe déssemos uma pequena
lembrança após a conferência [...] E,
terminada a sessão, não seria interessante
oferecer um uísque ao romancista? [...] Em
[75] que casa seria essa reunião?
Lembrei-me de telefonar a Mário de
Andrade: estava viajando. Fomos procurar
Oswald de Andrade, que nos recebeu com o
maior calor, mas esfriou quando um colega
[80] deu sua baixaria: já que o Mário não estava
em São Paulo, quem sabe ele, Oswald,
poderia?... Uma reuniãozinha simpática, com
uma dúzia de pessoas, quem sabe... Não
podia, não. Estava fortemente implicado com
[85] o gaúcho, que tinha dois defeitos
irremovíveis: primeiro, não se definia
politicamente, quer dizer, não caíra nos
braços do partido quando devidamente
sondado. “Mas é possível uma coisa dessas?
[90] Num momento como este que atravessamos,
um escritor ficar indiferente? Apático?! E
bebemos mais um copo de cerveja, “enquanto
Oswald passava ao segundo item da sua
implicância. Então desatamos a rir, porque era
[95] mesmo engraçado, aquilo de ele se invocar
com romancista por ser um romancista feliz.
“Ele é feliz demais, não pode! Vende os livros,
joga tênis e se casou, e continua casado a
vida inteira com uma mulher só, é abusar! Ele
[100] ainda está casado com a mesma?”, perguntou
e, antes mesmo de ouvir a resposta, explodiu:
“O dia em que ele comer o pão que o diabo
amassou, nesse dia escreverá um grande
livro, e eu lhe oferecerei uma festa. Mas antes
[105] tem que ficar desesperado, rasgado, preso e
corneado até pelo cachorro”.
Artista é todo aquele que bebe fel e
querosene — concluí, enquanto assistia a uma
aula de Legislação Social, onde sempre me
[110] entregava a pensamentos sobre Deus, a arte
e a morte, etecetera. Esse e outros
preconceitos adquiri e perdi com o tempo: foi
na carne que senti, um dia, o julgamento de
um crítico, que ficou uma fúria comigo porque
[115] eu escrevia coisas mórbidas e em seguida ia
fazer ginástica e jogar voleibol na Associação
Cristã dos Moços. Mas como é que pode?
“O bom romancista é ao mesmo tempo
um anjo e um cavalão, trabalha com as asas
[120] (as coisas mais finas, mais espirituais, mais
belas) e com as patas, isto é, trabalho braçal,
a resistência física e a paciência cavalar. Mas
confio acima de tudo no Instinto. Que o anjo
trabalhe montado no cavalo. E que no fim
[125] desapareça de todo a marca das patas e fique
apenas a luz das asas. Bonito, não?” (Porto
Alegre, 29 de agosto de 1950.)
Você dizia que não gostava nem de
tango, nem de gato, nem de cachorro. Mas
[130] gostava de Bach, de criança e de cavalo. Eram
os primeiros elementos de um gaúcho
tranquilo que não dançava tango, mas tinha a
cara do próprio. De um gaúcho discreto, de
fala baixa, riso breve e fácil comunicação com
[135] o público, como ficou provado naquela noite
de invierno, quando nos disse que acreditava,
acima de tudo, na trilogia tão batida da
verdade, da bondade e da beleza. Durante um
dos debates que promovemos, um estudante
[140] lhe fez uma pergunta, não me lembro da
pergunta, mas me lembro da sua resposta:
“sou apenas um contador de histórias”.
Fiquei meio chocada: estava no começo
da carreira e minha autoconfiança e meu
[145] orgulho não aceitavam esse tipo de confissão.
Um simples contador de histórias?
A um entrevistador que lhe fazia
perguntas agudíssimas William Faulkner
respondeu de repente; “Sou fazendeiro,
[150] moço”. O entrevistador um crítico formado em
Harvard, ficou histérico: “Escritor, diga
escritor!” Então ele sorriu e se levantou para
ir embora: “Sou fazendeiro”. Mas nessa época
eu ainda não tinha lido essa entrevista, que
[155] poderia ter me impressionado. Nessa época,
eu ainda tateava no ofício: tamanho
despojamento não fazia mesmo sentido diante
da minha ambição.
É difícil encontrar uma criatura tão
[160] coerente no seu comportamento de absoluta
fidelidade a si próprio e aos outros, aqueles
nos quais você acreditou. Sua gente. Seus
amigos. Sua música. Seus livros — ah, com
que amor você se devotou ao seu doce
[165] mundo. Já naquele distante 1943 você parecia
saber que o importante é cuidar da rosa do
nosso jardim. Sem, contudo, se ausentar sem
se omitir. E em algum momento você ficou
indiferente aos problemas do nosso povo? Ao
[170] sofrimento desse povo? Aí estão os seus
livros, através dos quais você se manifesta,
participa deste tempo e deste vento. Sua voz
transparece na boca das personagens,
centenas de personagens falando alto da sela
[175] de um cavalo, da poltrona de uma sala
governamental, de um coreto. Falando baixo
do catre de uma prisão, que nas prisões se
fala em baixo tom. A injustiça — eis o que
mais fundamente parece tocá-lo —, a injustiça
[180] e todo o seu leque maldito, que vai da
servidão à tortura.
Chama-se intertextualidade o diálogo que os textos mantêm entre si. Em todos os textos ocorre, de forma mais explícita ou mais implícita, o fenômeno da intertextualidade, ou seja, o resgate de elementos de outro(s) texto(s) anterior(es). O texto de Lygia é um caso de intertextualidade. Ele vem em forma de carta, isto é, aproveita as características do gênero carta, para construir uma crônica. Assinale com 1 o que for característico da carta e com 2 o que for aproveitado da carta para construir a crônica.
( ) Título: Meu querido Érico
( ) Vocativo: Érico Veríssimo, meu querido:
( ) Ausência da localidade e da data.
( ) Nome da autora após o título.
Está correta a seguinte sequência de cima para baixo:
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Durante a etapa D, ocorre a seguinte mudança de estado físico:
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