Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda Pede razão Jó a Deus, e tem muita razão de a pedir – responde por ele o mesmo santo que o arguiu – porque se é condição de Deus usar de misericórdia, e é grande e não vulgar a glória que adquire em perdoar pecados, que razão tem, ou pode dar bastante, de os não perdoar? O mesmo Jó tinha já declarado a força deste seu argumento nas palavras antecedentes, com energia para Deus muito forte: Peccavi, quid faciam tibi? Como se dissera: Se eu fiz, Senhor, como homem em pecar, que razão tendes vós para não fazer como Deus em me perdoar? Ainda disse e quis dizer mais: Peccavi, quid faciam tibi? Pequei, que mais vos posso fazer? E que fizestes vós, Jó, a Deus em pecar? Não lhe fiz pouco, porque lhe dei ocasião a me perdoar, e, perdoando-me, ganhar muita glória. Eu dever-lhe-ei a ele, como a causa, a graça que me fizer, e ele dever-me-á a mim, como a ocasião, a glória que alcançar. | A Jesus Cristo Nosso Senhor Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado, Da vossa piedade me despido; Porque, quanto mais tenho delinquido, Vos tenho a perdoar mais empenhado. Se basta a vos irar tanto um pecado, A abrandar-vos sobeja um só gemido: Que a mesma culpa, que vos há ofendido, Vos tem para o perdão lisonjeado. Se uma ovelha perdida e já cobrada Glória tal e prazer tão repentino Vos deu, como afirmais na sacra história, Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada: Cobrai-a, e não queirais, pastor divino, Perder na vossa ovelha a vossa glória. |